Friday, June 02, 2006

CRÓNICA 22
23 de Maio de 2006


Reza a história que quando os portugueses chegaram a Timor encontraram uns que ficaram calados quando os viram eram os timorenses ocidentais ou Kaladi enquanto os da Ponta Leste lhes viraram o cu daí serem os Firaku.

Posteriormente esta noção passou a distinguir os do leste Lorosae e os do oeste Loromonu. Mais recentemente surgiram designações como maubere que Ramos Horta tanto gostava e que viria a ser abolido em 1998.

Para entendermos melhor o que se passou no século XX debrucemo-nos no livro da Colecção Fórum “Ocupação e Colonização Branca de Timor” da autoria de Teófilo Duarte, ex-governador de Cabo-verde e de Timor, Vogal do Conselho do Império Colonial da Editora Educação Nacional Lda Estudos Coloniais nº 2 datado de 1944.

… 1894 ano em que assumiu o seu governo…. Celestino da Silva…
A nossa acção de presença efectuava-se em Dily, por intermédio do funcionalismo e duma companhia de guerra com um efectivo de setenta praças, que durante quási todo o ano permaneciam no hospital ou nos presídios para onde os arrastavam os seus vícios e o seu carácter de incorrigíveis vindos de Macau.
Em todo o litoral norte, havia os comandos de Pante Makassar em Okussi e os de Batugadé, Maubara, Liquiçá, Aipelo, Manatuto, Baucau, Lautém; e no sul apenas os de Viqueque, Alas e Fatumeia. Estes comandos reduziam-se a uma paliçada, quási sempre de palapa, sem consistência nem condições defensivas de valor… A sua acção limitava-se à área contígua ao forte, e quando os ventos corriam desfavoráveis, desaparecia com a fuga no vapor, de todo esse pessoal escapo às represálias dos reinos e que vinha refugiar-se em Dily, à espera que as habituais operações de reocupação lhe permitissem voltar aos seus postos. O interior encontrava-se assim sem um comando…
Certamente que a eleição dos régulos era sancionada pelo governo; também é facto que eles vinham prestar vassalagem a Dily, formalidade que pouco lhes custava cumprir, e que os interessava pelo espectaculoso de que era revestido tal acto; ainda é certo que expedições compostas de “moradores” e de reinos inimigos batiam umas vezes por outras, os povos mais insubmissos, mas os resultados práticos eram nulos, pois que vencedoras as colunas, logo que elas retiravam, os povos continuavam as suas vidas com umas centenas de búfalos e cavalos a menos, com a perda de luas de oiro, de panos, etc. e com uns milhares de habitantes mortos ou foragidos, e vivendo os restantes no mesmo estado de selvajaria e insubmissão que dantes.
… As diversas tribos agremiadas em reinos mais ou menos importantes passavam os anos em guerras intestinas cujo fundamento era o desejo de roubarem aos seus vizinhos os seus gados, os produtos agrícolas, as mulheres e as terras. Não havia progresso compatível com tal desordem que era extensiva às centenas de milhar de timores, e ora se viam lutas formidáveis entre vinte e trinta mil homens de cada partido, ora elas se resumiam a pequenos mas numerosíssimos combates de centenas de guerreiros.
Esta introdução permite esclarecer - recuando cem anos no tempo - porque existem hoje em pleno ano de 2006 confrontos que se chamam de étnicos e que alegadamente assentam na discriminação das tropas entre Lorosae e Loromonu. São centenas de anos de guerras tribais (das quais falaremos em próximos capítulos) que nunca foram resolvidas de forma satisfatória muito por culpa da colonização branca dos portugueses caracterizada sempre pela omissão em todos os quatro cantos do Império.

Durante todo o século XX houve revoltas e guerras tribais sendo as mais célebres as de Manu-Fahi e a de Uato-Lari, mas foram centenas delas embora se tivessem diluído após a II Grande Guerra. Queremos com isto deixar bem claro que a pretensa unidade timorense contra o invasor indonésio colocou de parte estes conflitos tribais nunca resolvidos. Quando o inimigo era só um e se chamava Indonésia as guerras tribais ficaram esquecidas. Depois de conquistada a independência e dados os primeiros passos duma democracia que não tem fundamentos históricos ou tribais onde assentar é chegada a altura de se acertarem as contas. Se não houver uma intervenção firme que permita sentar todos os intervenientes tribais de todo o território a situação ficará decerto fora de controlo, para gáudio da Indonésia e da Austrália que assim melhor partido podem tirar da sua exploração das riquezas de Timor. Ainda será possível evitar mais confrontos mas terá de se criar um Conselho de Sábios como propunha Castro Seixas em “Pública” no jornal Público de 21 de Maio de 2006 e “criar mais do que uma rai-klaran [1] e torná-las património nacional. Regiões onde as pessoas afluem duas ou três vezes por ano. Sem esses rituais de nacionalidade será mais difícil construir adequadamente a nação”.

É apenas preciso que a elite dominante burguesa e educada em português entenda esta realidade raramente estudada e tenha a coragem de não entrar em vinganças mas antes crie uma atmosfera de conciliação que dê razão a uma nação para todos os timorenses e não apenas para as tribos que agora estão na mó de cima.

©2006 Chrys chrystello
CRÓNICA 21-1989
OS TIMORENSES NA AUSTRÁLIA: Da invasão indonésia até à Austrália, um percurso de 22 anos[2]
Vinte e dois anos se completaram em 07 Dezembro 1997 sobre a invasão de Timor Leste pela Indonésia, e a maioria dos cerca de 10 mil timorenses e seus descendentes, em Sydney, acredita que o governo australiano – depois de silenciosamente ter assistido à destruição da ex-colónia portuguesa – ignora os problemas sociais que diariamente se acumulam e quotidianamente são enfrentados pelos timorenses. As dúvidas, a distância e o tempo não ajudam a sarar as feridas de que enfermam os timorenses aqui residentes. O futuro pode ser ainda mais sombrio do que o passado e o presente se a independência não vier depressa para este povo esquecido que tantos mártires deram.

P
ara muitos dos imigrados deste país, as barreiras culturais que se lhes deparam à chegada são incomensuráveis. Para os timorenses elas são ainda maiores do que qualquer outro emigrado poderia esperar.

Consideremos primeiramente o estrato socioeconómico de base rural colonial e neocolonial de que provêm. Um nível educacional muito baixo, nalguns casos grassando o mero analfabetismo da sua língua natal, e o muito reduzido contacto com a cultura dita ocidental que era apanágio dos timorenses provenientes das zonas mais recônditas da antiga colónia, foi gradualmente substituído por uma geração mais nova com uma educação básica indonésia que aniquilou todos os traços culturais do seu passado.

Manteve-se constante, entre os refugiados dos anos 70 e os dos anos 90 um estrato sociocultural de origem tribal, regulado anteriormente (ao longo de séculos) por uma hierarquia estabelecida sob os poderes dos régulos, liurais e chefes de suco, que sobreviveu aos quatro séculos e meio de colonização portuguesa, à invasão e ocupação japonesa durante a 2ª Grande Guerra e se mantém ainda hoje sob a ditadura do invasor javanês. As ordens emanando do topo dessa hierarquia tradicional não davam lugar nem a diálogo nem a contestação.

Convirá referir que a reintrodução hierárquica data do pós-guerra e se deve a factores coloniais de simpatia para a potência colonizadora à data (Portugal) e não os verdadeiramente tradicionais laços de sangue e família tribal que dominavam a estrutura timorense até à primeira metade deste século. A receita está assim completa para um coquetel (ou cocktail para os anglicizados) explosivo.

Consideremos a seguir que em termos quantitativos a comunidade timorense, hoje estabelecida na Austrália duma forma geral e em Sydney em particular, é em termos práticos irrelevantes. Os timorenses representam aproximadamente 0,2% da população de Sydney e 0,1% da população deste continente-ilha.

Todos estes factores permitem a manutenção de divisões naturais entre os vários núcleos timorenses. Excluímos à partida as divisões ou facções políticas entre simpatizantes da UDT (União Democrática Timorense), FRETILIN (Frente Revolucionária para a Independência de Timor Leste), que ora estão unidas numa frente conjunta ou divergem e um ou outro simpatizante da APODETI (Associação Popular Democrática de Timor) ou até mesmo dos mais recentes grupos como a AST (Associação Socialista de Timor) ou MRUPTL (Movimento de Reunificação de Unidade de Timor Leste).

Existem ainda outras diferenciações de ordem étnica, entre os timorenses melanésios, os de origem chinesa, os mistos destes e de outros grupos étnicos (incluindo os portugueses) Em Sydney pouco mais de um quarto dos timorenses é de origem chinesa (em 1989 dentre 6500 haviam 1800 chineses), facto que deverá talvez identificar-se com razões de ordem económica. Já em Timor, durante os anos coloniais portugueses, os chineses eram minoritários mas desfrutavam de uma superioridade económica em relação aos outros grupos. Durante a ocupação indonésia eles estão a seguir aos javaneses e militares indonésios.

Para os chineses de Timor a integração no modus vivendi australiano não foi feita através de manifestações de solidariedade com os restantes timorenses, mas sobremodo com as restantes comunidades étnicas chinesas já aqui radicadas.

Dos restantes, consideremos dois subgrupos de timorenses: os mais ligados à língua e cultura de Camões e os restantes servindo-se predominantemente da língua franca, Tétum, elemento de unificação das mesclas variegadas da população da metade oriental da ilha.

Outras divisões existiam ainda à data da eclosão da guerra civil, mais baseadas em relações sociopolíticas que dicotomizaram a população entre a UDT e FRETILIN. Hoje em dia com as múltiplas aproximações e separações entre os dois grupos, e a necessidade premente de encontrar soluções para o problema de Timor, essas divisões esfumaram-se aqui.

Na Austrália ao longo dos anos vários foram aqueles que se revelaram líderes comunitários de segmentos timorenses. Salientarei João Carrascalão em Sydney (o homem da UDT, que acabou de ser reeleito líder do Partido no 3º Congresso daquela organização em Perth em Novembro 1997). Outros líderes actuais ou passados são Ágio Pereira (durante muitos anos o fiel representante da FRETILIN em Darwin e actualmente a residir em Sydney), Lola Reis e Estanislau da Silva ambos da FRETILIN em Sydney, Inês Almeida, Alfredo Borges Ferreira (Darwin, FRETILIN), Abel Guterres (FRETILIN; Melbourne) dentre muitos outros. A razão por que não menciono outros também activos é por os considerar óptimos seguidistas, mas incapazes de gerarem por si mesmos qualquer liderança, embora possam atrair hordas de fiéis dos partidos políticos a que pertencem. Ao nível de João Carrascalão e actualmente residente na Austrália desde 1989 apenas existe o Nobel da Paz de 1996, José Ramos Horta.

Isto, longe de ser depreciativo para novos valores como o de Inês Almeida (a eterna candidata a terminar um curso superior de jornalismo) revela apenas a pesada herança colonial que os Portugueses deixaram e que séculos de valores tribais inculcaram. Se bem que haja jovens dissidentes e representantes da RENITIL (o movimento de estudantes timorenses em Timor Leste e na Indonésia) e outros jovens estes não conseguiram desalojar o peso enorme de figuras carismáticas e veneradas como Carrascalão e Horta. Talvez que o século XXI venha a trazer novos valores a toda a resistência, que continua centrada em torno de clássicos e tradicionais.

Carrascalão afirma: “Timor era conservador e calmo antes da saída portuguesa. A política foi uma invenção recente a que parte da população não prestava a atenção devida. A UDT queria então a independência num período dilatado de dez a quinze anos. Na Austrália a FRETILIN tem sido mais vocal e aliada a organizações de esquerda … mas actualmente o que interessa é a libertação do jugo indonésio.”

Distanciando-se de seu irmão Mário Viegas Carrascalão (então governador da 27ª província indonésia de Timor Timur) João sempre acreditou que havia motivo para esperança. A timorização limitada dos quadros locais e a pressão internacional, além da pressão quer da guerrilha nas montanhas quer da oposição civil nas cidades, aliada à visibilidade que o Nobel da Paz para dois timorenses (Horta e Monsenhor Carlos Filipe Ximenes Belo) podem contribuir para a resolução do problema em especial depois da crise económica iniciada em Dezembro 1997 na Indonésia.

Nunca negando as suas visitas a Timor Leste, João Carrascalão foi sempre bastante vocal nas suas inúmeras presenças na ONU, no Comité de descolonização embora se distanciasse sempre das posições do seu cunhado (José Ramos Horta), mas manteve sempre uma posição de confrontação contra a posição oficial indonésia a favor da autodeterminação de Timor Leste.

Este timorense, com estudos feitos na Suíça durante a era salazarista, a FRETILIN teve alguns excessos pelos quais parte da comunidade ainda se ressente, mas admite que se não fosse a presença militar, a resistência passiva civil e eclesiástica nunca teria sido suficiente para alterar o balanço da situação.

A comunidade timorense de origem chinesa não dispõe de porta-vozes nem de associações específicas (à excepção de Darwin no Território Norte, onde tem um clube), estando mais unida em torno de grupos ligados por vínculos fraternos e familiares ou regionais, que se reúnem quer em Chinatown, na baixa de Sydney, quer em Cabramatta (a mini-Chinatown da subúrbia).

Uma coisa porém continua a unir todos os timorenses de qualquer conotação política: essa herança inegável do jugo colonial – o futebol, que é jogado com uma paixão e entusiasmo que fariam inveja a qualquer adepto do desporto.

Para Ágio Pereira (ex Darwin, ora Sydney) ou Alfredo Ferreira (em Darwin) onde se localiza a outra metade dos timorenses da Austrália que não vivem em Sydney ou Melbourne, “a luta continua e de Timor chega sempre a vontade de um povo que quer ser independente”. Nunca ao longo destes vinte e dois anos, os timorenses deixaram a sua posição aguerrida de recusa ao jugo indonésio e à supremacia do javanês. Apenas o silêncio durante mais de uma década dos meios de comunicação social internacionais impediram publicitar a acção de guerrilha armada e resistência civil. Recorde-se que a guerrilha em Timor Leste foi a única em todo o mundo que nunca dispôs de apoios do exterior. A situação mudou só a partir do massacre de santa Cruz em 11 de Novembro de 1991 e da atribuição do Nobel da Paz em 1996. Portugal começou a fazer-se ouvir a partir de 1989 pois até então o seu semi silêncio era quase cúmplice.

Aqui na Austrália a sociedade timorense defronta-se (de acordo com Carrascalão e Ágio) com a intolerância australiana, a sua falta de conhecimento dos problemas específicos da comunidade, a falta de apoio das entidades governamentais a níveis de subsídios e estruturas sociais de apoio, a falta de apoio das entidades consulares e da embaixada, salvo raras e honrosas excepções como foi o período de 1988 a 1992, do embaixador José Luís Gomes.

Há quem cite casos de doenças mentais que são também comuns a casos de refugiados do Camboja e Laos vítimas do regime de Pol Pot. A Austrália aceitou sempre refugiados até um determinado montante numérico ou quota, para dele obter reconhecimento mundial, alheando-se depois das consequências e traumas que essa vinda de refugiados provoca. O caso de Timor foi durante muito tempo uma espécie de tabu semiencoberto na comunicação social [3], e durante os anos do governo trabalhista (1983-1996) e a era Howard (depois de Março de 1996) era quase crime atacar a Indonésia ou expor a invasão e genocídio em Timor. Curiosamente, em finais de 1997 o Partido Trabalhista, então na oposição alterou o seu programa para passar a incluir uma cláusula sobre o direito à autodeterminação do povo de Timor.

Em jornais durante a década de 80 e início de 90 era vulgar ler na secção de ‘cartas à redacção’ depoimentos de veteranos australianos da 2ª Grande Guerra, indignados com o pouco que estava a ser feito em relação a Timor, citando eles a valentia e bravura dos 40 mil timorenses que morreram durante a guerra para defenderem os ideais ocidentais e australianos durante a sangrenta ocupação japonesa da ilha. Um deles, Paddy Kenneally ainda recentemente (Julho 1997) se deslocou ao Porto para tomar parte nas Jornadas de Timor da Universidade do Porto, essa instituição respeitável que primeiro que todas em Portugal, pela mão do professor Barbedo de Magalhães soube trazer o nome de Timor à academia e à vida dos portugueses.

Ao longo dos anos lidamos na Austrália com muitos timorenses, desde os que nunca tinham visto um ‘patas de aço’ ou ‘cacatua bote’ (nomes dados ao avião) àqueles que foram educados pelo sistema colonial português terminando ou não os seus estudos em Portugal, àqueles que apenas estudaram aqui e mesmo àqueles que estudaram sob o regime indonésio. Apenas uma coisa é comum a todos: o desejo de verem Timor independente e livre do jugo javanês.

Nota-se, porém uma erosão do poder e da cultura tradicionais que ameaça degenerar numa erosão futura daqueles valores ancestrais, capazes de resistirem a tudo e a todas as colonizações, mas em risco de serem vencidos e alienados pela permissividade cultural e social australiana.

Nos mais idosos e os da minha geração de meio século nota-se, de uma forma geral, a nostalgia, a tristeza de provavelmente jamais poderem pisar solo pátrio. Sente-se o amor e a saudade àquela terra. Nuns casos esses amor saudosista reveste-se de características e valores bem portugueses, próprios daqueles que estavam culturalmente mais próximos do colonizador e/ou faziam parte das suas estruturas administrativas. Noutros casos, porém, Timor é a Nação que deixou de o ser antes de realmente atingir a sua plenitude, mas que, não obstante, perdurará como Pátria enquanto uma gota de sangue e lágrimas puderem continuar a ser derramadas pelos antepassados mauberes.

Para um terceiro grupo, Timor representa uma etapa na conquista material, fortunas amealhadas do nada, reduzidas ao nada, recomeçadas de novo. Etapa essa marcada por fugazes mas recompensadoras amizades com portugueses das quatro partidas do mundo, sempre prontos a regressar ao oriente exótico dos Macaus e Austrálias deste mundo. Amizades também marcadas pelos indonésios ocupantes brutais mas tolerantes de minorias que servem de tampão e de bode expiatório de ódios coloniais.

Nos refugiados de Timor, ainda de lá emigrados quando era outro tempo, e noutros recém chegados depois da experiência sob o domínio indonésio, algumas noções basilares se podem aprender.

Uma delas será, faça-se o que se fizer vinte e dois anos se passaram já. Muitos dos mais novos eram demasiado novos para se recordarem e não mantêm os proibidos dialectos Tétum e a língua portuguesa, para além do empirismo quotidiano de diálogos em família à revelia dos indonésios. Eles preferem o Inglês que os poderá alcandorar a posições mais propícias de futuro neste país onde vivem agora e quiçá para sempre.

Mas atenção TIMOR LOROSSAE é também isto: A língua não é só uma forma de comunicação inicial e iniciática vital para os povos, mas pode tornar-se, como no caso de Timor nestes últimos anos numa forma revolucionária. Quando se pensa que as gerações hoje opostas à neo colonização indonésia, não eram, na sua maioria, nascidas quando os Indonésios proibiram o uso do Português, teremos de analisar que elas se vão aproveitar dessa mesma língua proibida para comunicar entre si, fazer oposição ao regime político e para serem ouvidas no mundo exterior. Poderiam, mais facilmente ter-se servido do Inglês, mas escolheram o Português, por este não ser dominado pelos Indonésios, mas ser compreendido pela maioria da geração mais velha, aquela que ainda se lembra da diferença de vida. É assim como língua da revolução e da resistência que o Português se mantém hoje em Timor ou na prisão de Cipinang de onde Xanana escreve.

De formas contrárias, o Português em África serviu para aglutinar populações divididas por etnias e dialectos diferentes, sendo hoje a língua oficial que absorvendo neologismos e ataques de línguas estrangeiras (Francês na Guiné Bissau, Inglês em Moçambique, etc.) vai enriquecendo as línguas crioulas ou Pidgin, desta forma se perpetuando e vitalizando, tal como acontecera há uns séculos no Brasil.

Em Goa, Malaca e Macau, persistem hoje pequenos redutos de formas de português, que estão em vias de extinção, pois que com o fim da presença portuguesa não se vislumbraram vantagens – nem culturais nem políticas – para ser mantido de direito próprio, ao contrário do que aconteceu no Sri Lanka (Ceilão) onde a mudança para apelidos portugueses era uma promoção de casta social.

Mas em Timor houve quem reinventasse a própria língua colonizadora para dela se aproveitar e lutar contra os neocolonizadores.

Outra noção é a de que os portugueses ao ‘saírem’ (detesto esta palavra neste contexto, pelo que o melhor é substituí-la por ‘desertarem’) Timor tinha apenas dezasseis quilómetros de estradas asfaltadas e pouco mais a que se pudesse chamar estrada.

A rádio era um luxo para poucos para além da messe militar e do Q.G. em Taubesse. Além disso quem ouvia não tinha sequer uma dezena de horas semanais. Jornais? Havia a conturbada e única ‘A Voz de Timor’ feita de muito esforço e boa vontade, mas sem meios técnicos, humanos ou financeiros capazes. O autor, Cristóvão Santos, o Dr. Martinho e o Lopes da Cruz nos últimos tempos da presença portuguesa foram alguns dos que tentaram converter a ‘V.T.’ num jornal. A televisão ainda não havia sido inventada para Timor, aviões e barcos eram quase meteóricos dada a sua frequente ausência e/ou falta de capacidade de transporte.

Hoje Timor Timur tem mais de 250 quilómetros de estradas asfaltadas por onde se deslocam as viaturas militares indonésias e as viaturas comerciais dos monopólios javaneses que continuam a espoliar os timorenses daquilo que é seu.

Existem várias estações de rádio, TV a cores (um luxo em muitas outras ilhas na Indonésia), em vez das 47 escolas primárias que os portugueses ali deixaram existem hoje mais de 500, o analfabetismo baixou de 92 para 40 por cento, existem hospitais regionais e centro médicos de Dili ao interior, paramédicos nas aldeias, uma universidade e sei lá que mais que os indonésios não param de apregoar.

Há quem diga que apesar da invasão a Indonésia fez mais por Timor do que Portugal em quatrocentos e cinquenta anos. Isto afectou aqueles – que descontentes ou não – ali viveram estes doze anos.

Como conceber assim, neste cenário o regresso daqueles que aqui na Austrália, em Macau ou Portugal se radicaram depois de 1975? Qual o vínculo que os seus filhos têm com Timor, com os seus familiares (e não há família alguma que não tenha tido mortes) e amigos dos pais que sobreviveram a estes vinte e dois anos de ocupação?

Mesmo que a Indonésia, fruto de uma qualquer crise causada pelo desaparecimento de Suharto (e nada nos faz imaginar esta hipótese) abandonasse a ex-colónia tal regresso seria marcado por profundas diferenças. Os refugiados da Austrália aceitariam de forma pacífica os colaboracionistas que ali permaneceram, voluntária ou involuntariamente?

Que conexão terão os filhos desses, que colaborando ou não, forçosamente ali ficaram com os que falam inglês ou português? Nenhuma, pois provavelmente apenas poderão comunicar através de Bahasa Indonesia.

Em tal contexto e partindo do princípio que a guerrilha e a oposição civil conseguiam libertar o país do jugo javanês, seriam poupados os milhares de pessoas que coabitaram com os indonésios, como forma de sobreviverem?

Por outro lado, pondo questões morais de parte, temos um ‘fait accompli’ na presença indonésia, por voluntária ausência dos portugueses e lutas internas naquilo que se designou a guerra civil e apenas durou de Agosto a Setembro 1975.

Famílias separadas por três continentes sem hipóteses de reunião devem esperar o futuro confiantes de que o bom senso vai prevalecer, com a sua dose de realismo, para permitir àqueles que saíram de Timor se poderem reunir aos que labutam em Portugal, Macau e Austrália. Para os outros há que continuar a insistir em que os organismos internacionais descubram uma fórmula para tornar a situação menos injusta e menos dolorosa.

A alternativa da guerrilha e desobediência civil prolongada levou até agora que nenhuma das partes possa clamar vitória e continuará a ser a realidade da maioria dos timorenses.

Não esqueçamos que pode haver escolas, estradas, televisão, rádio e outros confortos materiais que os portugueses ali não plantaram, mas a política de transmigração, os monopólios e oligopólios ameaçam tornar os nativos numa minoria dentro do seu próprio país, como aliás já aconteceu em outras ilhas indonésias.

Para além disto vastos sectores da população timorense foram inoculados, ou melhor esterilizados para não procriarem mais timorenses. Isto, aliado a uma aniquilação pela guerra e fome de cerca de 200 mil timorenses, um terço da população, faz prever que dentro de uma geração o problema possa ser ainda menos focado que o genocídio dos arménios no início do século.

Regressar parece difícil, não obstante recentes aberturas oficiais a missões diplomáticas, parlamentares e turistas. Como jornalista, cidadão australiano, português por nascimento, as minhas hipóteses de poder regressar são ainda mais remotas. Sempre que tentei levou com uma educada recusa, sempre acrescida de que se não tratava de motivos políticos. Quanto mais não fosse para descrever a beleza paradisíaca que nem os indonésios conseguirão destruir, gostava de rever as praias, o som dos ‘tokés’ e as faces amigas dos mauberes, naquela que há muito considero a minha pátria, se bem que poucos conhecidos possam ainda estar sobrevivos.

Timor, ‘a terra que em nascendo o sol vê primeiro’ tal como me ensinaram nos velhos compêndios de geografia colonial, os mesmos que teimavam em chamar Vila Salazar à Baucau que perdura ainda hoje.

Aqui na Austrália, os timorenses repetem o ciclo natural da luta pela sobrevivência, tal como o haviam feito durante séculos, marcados por fomes, guerras tribais, por uma colonização portuguesa nem sempre benevolente, por uma violenta e sangrenta invasão e ocupação japonesa e mais recentemente pela ameaça de aniquilação total provocada pela presença indonésia.

A SOBREVIVÊNCIA DO POVO MAUBERE DEPENDE APENAS DELE E DA SUA ADAPTAÇÃO, DO SEU QUERER, DO SEU SABER MANTER A CULTURA TRADICIONAL EM ATMOSFERAS HUMANAS MODERNÍSTICAS – como as de Portugal e da Austrália. Para os restantes é a lei da sobrevivência de um povo animista e redescoberto católico no meio do islamismo indonésio.

Entretanto aqui em Sydney, 22 anos depois os timorenses de uma forma geral, começam a sentir-se integrados no panorama humano e social, mas falam ainda da sua pátria com orgulho, o mesmo com que eu descrevo a descoberta de novas plagas e mundos pelos aventureiros portugueses dos séculos XV e XVI.

Entretanto novas guerras, guerrilhas e outros problemas mundiais vão mantendo o problema de Timor afastado das manchetes dos jornais, relegando para o olvido a causa e a brava saga do povo timorense.

CRÓNICA 22-1989
PARTE IIª - “ENTERRADOS VIVOS” filme sobre a saga de Timor[4]
A
s primeiras imagens dão um retrato a preto e branco sobre a Lisboa dos anos 50, com percursos pela baixa citadina e curtas incursões às cenas terceiro-mundistas do Bairro Alto, contrastando com o ar imponente do Marechal Carmona, sob o olhar aquilo e atento de Salazar.

Entremeado de discursos narrativos de jornalistas, políticos e sob a potente dialéctica de Noam Chomski que perdura ao longo de sessenta minutos, passa-se então para o mapa da Europa com o Império Colonial sobreposto, dando a noção da vastidão do Império.

Cenas de uma África Negra dominada pelos colonos brancos sucedem-se até ao dealbar das lutas nacionalistas, cenas do mato, soldados portugueses feridos e mortos sendo evacuados, os discursos patéticos do velho regime, acompanhados de discursos condenadores na ONU e noutros órgãos, da velha política colonial portuguesa.

Uma passagem suave a uma ilha aparentemente desabitada, praticamente virgem, de uma beleza inenarrável, dá-nos conta que existia algures, perdida no tempo e no espaço, uma parcela colonial esquecida. Sim, era de facto, Timor Leste então denominado Timor Português. A pompa da guarda nativa ao Palácio do Governo, o ritmo lento das ruas vazias, centradas no núcleo comercial de Dili, dois quarteirões apenas de ruas asfaltadas. Danças tradicionais e a rica cor das ‘lipas’[5] perdendo-se no branco e preto das imagens do ecrã.

Cena do Mercado Municipal de Dili, da célebre luta de galos, e a película passa a colorida. Um aparte curioso de um filme de divulgação turística dedicado ao mercado australiano, incitando as pessoas a visitar um dos paraísos perdidos do Pacífico, descrevendo Timor como uma terra onde há sempre alguém que fala inglês, onde as mulheres são de uma extrema beleza e o povo afável. Uma paródia superficial, descritiva de um Timor que só existia na mente dos produtores do anúncio turístico, da qual perduram na retina as brancas areias das praias e o colorido das lipas.

A narrativa assume agora um corte abrupto, ao passar do idílico Timor para o som e visual das cenas sangrentas da resistência australiana e timorense contra a ocupação japonesa da 2ª Guerra Mundial. O comentário oportuno surge pela voz de veteranos australianos, no sentido de que a Austrália talvez fosse hoje japonesa se não tivessem morrido quase 40 mil timorenses a auxiliar os australianos.

Uma dívida de gratidão totalmente esquecida porque incómoda – alguém comentava. Cenas pungentes de um documentário australiano da época (1943) mostrando a resistência anti-nipónica. Desta sequência passamos de uma guerra esquecida para uma revolução inesquecível, com a emocionada voz de um locutor de rádio, narrando os acontecimentos do 25 de Abril de 1974, algures na baixa lisboeta.

O filme segue então o percurso da revolução dos cravos, dos seus ideais e dos seus resultados imediatos. O ‘gonçalvismo’ é visitado sumariamente para nos explicar como do dia para a noite, os maiores anseios de independência foram oferecidos de mão beijada a Moçambique e às outras colónias de África, Os africanos nas ruas celebrando a sua independência e o comentador a acrescentar que foram momentos de pouca dura, dado o conturbado período que viria a seguir.

Como nota positiva, apenas o facto de a bandeira colonial ter sido substituída pelos estandartes de povos independentes.

De novo a câmara se volta para os orientes exóticos, lembrando algo que ficara por fazer. Timor, uma vez mais, ficara esquecido. As imagens acompanham a formação dos principais partidos políticos em Timor, as ´manifs´ de rua, a primeira campanha de alfabetização na Ponta Leste e a primeira eleição democrática de um Chefe de Suco. Curiosamente, é mostrado o detalhe de uma urna de voto: um saco de palha com cerca de um metro de altura, dentro do qual estão dois sacos mais pequenos, os quais só podem ser vistos pelos votantes, que se aproximam e deitam no respectivo saco a pedrinha de voto. Resultado da eleição: o chefe tradicional desde 1959 é substituído por outro de maior apoio popular.

João Carrascalão, antigo comandante militar da UDT faz a sua análise da situação ao som dos arrulhos do pombal que tem no seu jardim australiano. A partir desse momento o filme começa a centrar-se em torno do futuro Nobel da Paz, José Ramos-Horta, que relata as aspirações dos timorenses à data.

É a partir desta altura que o filme muda, uma vez mais, de velocidade. Passa-se para as cenas da guerra civil, seguida pela evacuação do governo de Lemos Pires, o qual é posteriormente entrevistado já na ilha do Ataúro.

As imagens sucedem-se, Carrascalão conta a sua viagem a Jakarta e as falsas declarações dos indonésios. As tropas da FRETILIN preparam-se então para pegar em armas (que os portugueses deixaram).

A vacuidade dos pedidos de auxílio internacional, a hipocrisia australiana com a visita do então primeiro-ministro trabalhista, Gough Whitlam, a Suharto, a promessa de que a Indonésia jamais interviria no processo de Timor, os americanos a aumentarem as suas vendas de armamento ao regime javanês.

As imagens mostram que já não há guerra civil, trata-se de escaramuças nítidas das forças armadas da FRETILIN contra milícias indonésias. Os preparativos da invasão, a preparação para a impossível defesa, os votos de luta até à morte contra o invasor indonésio.

O filme percorre as manchetes dos jornais, as declarações políticas em várias capitais do mundo, depoimentos vários de testemunhas, à data ainda em Timor. A inoperância do regime português, a indiferença cúmplice do regime de Camberra, a campanha indonésia denegrida dos timorenses como perigosos comunistas (que nunca foram nem seriam), os últimos retoques para a invasão, até à morte dos cinco jornalistas australianos que testemunhavam em reportagem televisiva as forças invasoras antes de elas terem, oficialmente, declarado a sua intervenção.

Segue-se a declaração fugaz de independência a 28 de Novembro de 1975 para o que seriam apenas nove dias de libertação do jugo colonial. O hastear da bandeira colonial, pela primeira vez em mais de 460 anos de colonização.

Depois passa-se para a visita a Suharto, do então presidente norte-americano Gerald Ford, em plena véspera da invasão, documentos secretos mostrando o conhecimento e o aval dado pelos americanos a essa invasão.

A película percorre depois as imagens terríveis da invasão, a mortandade, as campanhas no estrangeiros dos líderes nacionalistas tentando alertar o mundo mudo para o que se estava a passar fora dos circuitos visuais de um Ocidente preocupado com o efeito dominó do comunismo na Ásia. Entrevistas com governantes e diplomatas tentando, agora depois de todos estes anos, explicar que as suas atitudes de então eram justificadas face aos dados existentes à data.

Depoimentos vários de sobreviventes, a outra face da miséria no Jamor, e os percursos infindáveis de Ramos Horta nas Nações Unidas e no Comité de Descolonização, de Nova Iorque a Genebra. As forças nacionalistas a tentarem o apoio dos países lusófonos africanos (PALOP’s) mantendo a sua voz para que esta fosse ouvida nos corredores do poder mundial.

Do outro lado da imagem, a segunda colonização, mostrando Suharto a inaugurar a televisão em Timor Timur, a pompa militarista e opressora dos novos colonos, dispostos a tudo destruir e matar para justificar a sua injustificável invasão.

As imagens mostram as cerimónias de rua com mais bandeiras indonésias do que povo, caras indonésias (que não timorenses) aclamando o opressor. A pretensa melhoria de condições de vida proclamada por Jakarta. As câmaras confrontando políticos, nacionalistas e diplomatas em Nova Iorque, Genebra, Lisboa, Camberra, Harare e Maputo. A falta de meios humanos e materiais para os nacionalistas manterem a sua pressão para que o problema não caia no esquecimento. As comparações da cobertura jornalística mundial ao Camboja e a quase ignorância total sobre Timor. A incongruência do presidente Carter se ter momentaneamente esquecido dos direitos humanos para aprovar nova venda de armamento à Indonésia, para que esta pudesse aumentar a sua repressão a Timor.

As votações da ONU, as pressões sobre pequenos países para não votarem contra a Indonésia sob ameaças de cortes de auxílio económico. Horta perambulando entre a ONU e o seu humilde apartamento em Nova Iorque. Imagens potentes entremeadas de entrevistas e depoimentos de dezenas de personalidades. O filme termina com Ramos Horta a sair uma vez mais em busca de nova missão para que a voz do povo de Timor Leste possa ser ouvida e não caia no esquecimento fácil dos fazedores de notícias.

As imagens bem entrelaçadas com depoimentos de inúmeras personalidades mostram bem o porquê do título ‘Buried Alive/Enterrados Vivos’. Um povo traído que se recusou a ser vencido e que jamais deixou de lutar mantendo e querendo a sua voz forte para que um dia a ouçam.

Falamos com Gil Scrine relativamente a este documentário narrativo da saga dos timorenses. Gil apaixonou-se pela causa de Timor em 1986 quando se encontrou com Horta nas Nações Unidas. Daí surgiu a ideia deste filme mais do que um documentário. Depois, sem apoios financeiros foi a luta constante e o gasto de várias dezenas de milhar de dólares (milhares de contos) para concretizar o plano de filmagens decorrendo de Lisboa a Nova Iorque, Genebra, Sydney, Harare, Maputo, Washington, Camberra, Perth e Darwin.

A apatia das autoridades portugueses que até ao último momento não haviam autorizado a utilização do tema ‘Grândola, Vila Morena’ para tema das imagens da revolução, foram alguns dos milhentos problemas encontrados por Gil.

Para ele “não se compreende o silêncio e apatia dos australianos face ao problema de Timor” salientando, no entanto, que obteve bastante apoio de jornalistas portugueses e de refugiados timorenses para a filmagem e narração. “Todos os povos podem beneficiar desta lição exemplar que o filme retrata, pois ela simboliza não só o termo do Grande Império Colonial Português, como a invasão, e as manipulações das grandes potências contra a vontade soberana de um povo”, assim comentava na altura Ramos Horta, manifestando-se “satisfeito com o filme” e anunciava então que iniciava uma nova meta da sua carreira por ter sido nomeado Director Executivo do programa de Estudos Diplomáticos da Faculdade de Direito da Universidade de Nova Gales do Sul.

Com efeito, nomeado em 1 de Julho de 1989, Ramos Horta iria passar os anos seguintes a leccionar preparação e treino em diplomacia e política internacional aos povos indígenas da região, às minorias étnicas e aos timorenses em particular, em área tão distintas como Direito Internacional, Direitos Humanos, Prática Diplomática e de Negociações.

O programa recebeu o apoio unânime da academia estadual e visa perspectivar os âmbitos de acção daqueles grupos nos meandros da política internacional. Ramos Horta é licenciado em Relações Internacionais com especialização em Direito Público Internacional pela Universidade de Colúmbia. Anteriormente havia sido investigador e conferencista na Universidade de Oxford em 1988, tendo sido leitor visitante no Instituto Superior Universitário de Relações Internacionais do Maputo, especializado em política externa a partir de 1980. Em Outubro de 1990 lançou o seu livro ‘Timor – Amanhã em Dili’ uma versão actualizada do livro em inglês ‘FUNU – a saga inacabada do povo de Timor Leste’, publicado em Nova Jersey em Janeiro de 1987. Depois de muitas andanças internacionais acabou por ser agraciado em 1996, juntamente com D. Carlos Filipe Ximenes Belo, Bispo de Timor, com o Prémio Nobel da Paz.

Relativamente ao filme, afirmava então Horta que este projecto fílmico de Gil Scrine não podia nem devia ser considerado como uma autobiografia inacabada, mas antes como um retrato incompleto que só terminará quando os timorenses puderem regressar à sua pátria. Até lá e como João Carrascalão nos afirmava então. “A luta continua e o inimigo é só um: a Indonésia”.

O então Secretário de Estado da Imigração e das Comunidades Portuguesas, Correia de Jesus afirmava com o embaixador de Portugal, José Luís Gomes “a minha casa é a vossa casa até que possam regressar à vossa”. A data era incerta mas a vontade de muitos portugueses e australianos era já então a de os timorenses terem direito ao seu lar. Essa também uma das fortes mensagens do filme, que foi o segundo sobre a saga dos timorenses. Ambos realizados por australianos e nunca exibidos comercialmente em Portugal. O que motiva a falta de interesse dos cineastas e produtores portugueses naquela saga? Será que, tal como os políticos portugueses, serão os últimos a acordar e a darem conta que o problema de Timor existe? Outra questão que se podia por é a de aqueles filmes não terem sido exibidos em Portugal, mas decerto os directores das cadeias de televisão sabem mais do que aquilo que não dizem.

Os anos passaram desde que inicialmente escrevemos todas estas crónicas mas apesar de todas as mudanças mundiais desde a queda do ‘Muro de Berlim’, ao fim da Guerra Fria uma coisa porém se mantém imutável: a vontade dos timorenses se autodeterminarem e terem a independência a que têm direito, a intransigência dos indonésios durante os 32 anos do regime Suharto e a inoperância das instâncias internacionais em encontrar uma solução justa para o problema.

CRÓNICA 23
23-31 Maio 2006
Porque é que há guerras tribais em Timor - II


Reza a história que quando os portugueses chegaram a Timor encontraram uns que ficaram calados quando os viram eram os timorenses ocidentais ou Kaladi enquanto os da Ponta Leste lhes viraram o cu daí serem os Firaku.

Posteriormente esta noção passou a distinguir os do leste Lorosae e os do oeste Loromonu. Mais recentemente surgiram designações como maubere que Ramos Horta tanto gostava e que viria a ser abolido em 1998.

Para entendermos melhor o que se passou no século XX debrucemo-nos no livro da Colecção Fórum “Ocupação e Colonização Branca de Timor” da autoria de Teófilo Duarte, ex-governador de Cabo-verde e de Timor, Vogal do Conselho do Império Colonial da Editora Educação Nacional Lda Estudos Coloniais nº 2 datado de 1944.

… 1894 Ano em que assumiu o seu governo…. Celestino da Silva…
A nossa acção de presença efectuava-se em Dily, por intermédio do funcionalismo e duma companhia de guerra com um efectivo de setenta praças, que durante quási todo o ano permaneciam no hospital ou nos presídios para onde os arrastavam os seus vícios e o seu carácter de incorrigíveis vindos de Macau.
Em todo o litoral norte, havia os comandos de Pante Makassar em Okussi e os de Batugadé, Maubara, Liquiçá, Aipelo, Manatuto, Baucau, Lautém; e no sul apenas os de Viqueque, Alas e Fatumeia. Estes comandos reduziam-se a uma paliçada, quási sempre de palapa, sem consistência nem condições defensivas de valor… A sua acção limitava-se à área contígua ao forte, e quando os ventos corriam desfavoráveis, desaparecia com a fuga no vapor, de todo esse pessoal escapo às represálias dos reinos e que vinha refugiar-se em Dily, à espera que as habituais operações de reocupação lhe permitissem voltar aos seus postos. O interior encontrava-se assim sem um comando…
Certamente que a eleição dos régulos era sancionada pelo governo; também é facto que eles vinham prestar vassalagem a Dily, formalidade que pouco lhes custava cumprir, e que os interessava pelo espectaculoso de que era revestido tal acto; ainda é certo que expedições compostas de “moradores” e de reinos inimigos batiam umas vezes por outras, os povos mais insubmissos, mas os resultados práticos eram nulos, pois que vencedoras as colunas, logo que elas retiravam, os povos continuavam as suas vidas com umas centenas de búfalos e cavalos a menos, com a perda de luas de oiro, de panos, etc. e com uns milhares de habitantes mortos ou foragidos, e vivendo os restantes no mesmo estado de selvajaria e insubmissão que dantes.
… As diversas tribos agremiadas em reinos mais ou menos importantes passavam os anos em guerras intestinas cujo fundamento era o desejo de roubarem aos seus vizinhos os seus gados, os produtos agrícolas, as mulheres e as terras. Não havia progresso compatível com tal desordem que era extensiva às centenas de milhar de timores, e ora se viam lutas formidáveis entre vinte e trinta mil homens de cada partido, ora elas se resumiam a pequenos mas numerosíssimos combates de centenas de guerreiros.

Esta introdução permite esclarecer - recuando cem anos no tempo - porque existem hoje em pleno ano de 2006 confrontos que se chamam de étnicos e que alegadamente assentam na discriminação das tropas entre Lorosae e Loromonu. São centenas de anos de guerras tribais (das quais falaremos em próximos capítulos) que nunca foram resolvidas de forma satisfatória muito por culpa da colonização branca dos portugueses caracterizada sempre pela omissão em todos os quatro cantos do Império.

Durante todo o século XX houve revoltas e guerras tribais sendo as mais célebres as de Manu-fahi e a de Uato-lari, mas foram centenas delas embora se tivessem diluído após a II Grande Guerra. Queremos com isto deixar bem claro que a pretensa unidade timorense contra o invasor indonésio colocou de parte estes conflitos tribais nunca resolvidos. Quando o inimigo era só um e se chamava Indonésia as guerras tribais ficaram esquecidas. Depois de conquistada a independência e dados os primeiros passos duma democracia que não tem fundamentos históricos ou tribais onde assentar é chegada a altura de se acertarem as contas. Se não houver uma intervenção firme que permita sentar todos os intervenientes tribais de todo o território a situação ficará decerto fora de controlo, para gáudio da Indonésia e da Austrália que assim melhor partido podem tirar da sua exploração das riquezas de Timor. Ainda será possível evitar mais confrontos mas terá de se criar um Conselho de Sábios como propunha Castro Seixas em “Pública” no jornal Público de 21 de Maio de 2006 e “criar mais do que uma rai-klaran [1] e torná-las património nacional. Regiões onde as pessoas afluem duas ou três vezes por ano. Sem esses rituais de nacionalidade será mais difícil construir adequadamente a nação”.

É apenas preciso que a elite dominante burguesa e educada em português entenda esta realidade raramente estudada e tenha a coragem de não entrar em vinganças mas antes crie uma atmosfera de conciliação que dê razão a uma nação para todos os timorenses e não apenas para as tribos que agora estão na mó de cima (J. Chrys Chrystello Maio 2006).


… As diversas tribos agremiadas em reinos mais ou menos importantes passavam os anos em guerras intestinas cujo fundamento era o desejo de roubarem aos seus vizinhos os seus gados, os produtos agrícolas, as mulheres e as terras. Não havia progresso compatível com tal desordem que era extensiva às centenas de milhar de timores, e ora se viam lutas formidáveis entre vinte e trinta mil homens de cada partido, ora elas se resumiam a pequenos mas numerosíssimos combates de centenas de guerreiros.

Para o comerciante, tal estado de coisas era lucrativo, pois que o consumo de pólvora e de armas permitia-lhe auferir largos proventos; para o Timor, tal ocupação era agradável, visto que dotado de índole guerreira preferia os frutos das razias, àquêles que pudesse arrancar à terra, mas mantinha-o selvagem; para Portugal esta situação embora vergonhosa, era inevitável, visto que uma ocupação imediata e sólida só se conseguiria à custa de pesados sacrifícios com expedições, e com a permanência de quadros e efectivos que pudessem colher os frutos, sempre tardios de tais processos.
Por isso os nossos governadores consideravam-se muito felizes, quando as ditas guerras entre os reis timores não se apresentavam com o carácter de francamente rebeldes contra a nossa soberania, e quando os régulos se prontificavam a aceitar a fórmula, embora platónica do preito de vassalagem. Muitas vezes, um ou outro pedia o nosso auxílio, o qual quási sempre se procurava negar, ou a nossa intervenção como medianeiros, e numerosos eram os casos em que Portugal aparecia como árbitro entre as partes, que ou se conformavam com a solução proposta, ou preferiam recorrer às armas, e neste caso, o nosso papel limitava-se ao de espectador impotente para se impor aos milhares de contendores.

Bem cedo, Celestino da Silva nomeado governador reconheceu que antes de ensaiar e levar a efeito, tentativas de desenvolvimento económico, se impunha o terminar de contendas, quer de povos para povos, quer de rebeldias contra a nossa soberania, e por isso começou uma obra de ocupação, morosa sim, porque os seus recurso lho impunham, mas contínua e segura. Não se sentiu com fôrças para entrar logo numa campanha franca e aberta contra todos aqueles que não acatavam a nossa autoridade; e assim é que tendo desembarcado em Maio, manda em sete de Julho, o alferes Duarte com cem moradores, a fim de procurar conciliar os reinos do Piço e de Liquiçá, que se encontravam em guerra.

A diplomacia do oficial, os presentes aos régulos intermediários, e ainda a força de cem espingardas, fizeram com que terminasse a luta sangrenta, e é de notar o trabalho do referido comandante, que antes de recolher a Dily, entendeu que devia completar a sua missão de medianeiro, com a solicitação, de resto atendida pelos povos, para uma limpeza geral às plantações de café, contíguas ao seu acampamento, e que eram propriedade dos referidos indígenas.

Este simples episódio é o despontar de uma nova política em Timor, que mais tarde haverá de ser generalizada com um grande sucesso, não só ali, como em outras colónias… o oficial deixava de ser o severo comandante de tropas e colunas, tudo raziando, devastando, e fazendo consistir a sua glória no número de vítimas caídas, para se transformar no colonizador, que após os rudes combates a que obrigava a índole insubmissa dos povos que lhe mandavam bater, procurava encaminhá-los no sentido da riqueza e civilização. Ampliações de plantações, aberturas de estradas, limpezas de caminhos, etc., tudo isso eram trabalhos que faziam do Comandante Militar ou de Posto, o guia de todos aqueles que na véspera tratara com a severidade de um dominador.

As instruções dadas por Celestino a tal respeito eram as seguintes: “É absolutamente indispensável que os comandantes militares subalternos se instruam sobre a língua dos indígenas, seus usos e costumes; que conheçam dentro da área da sua jurisdição, todos os caminhos ainda os mais recônditos, todas as povoações, todos os habitantes, os chefes indígenas e suas famílias; que lhes não passe despercebida a saída para fora, ou a entrada de qualquer; que tenham perfeito conhecimento de todos os casamentos, óbitos e nascimentos; que façam um arrolamento exacto da população; que não deixem derrubar florestas cuja destruição possa exercer influência nas condições climatéricas; que não deixem despir de arvoredo, as nascentes de água; que conservem sempre em bom estado de limpeza as suas plantações de café, e se fazem cultivos suficientes para a sua alimentação; se há transgressão dos regulamentos de polícia rural dos mercados; se o contrabando se exerce; se são respeitados os regulamentos que regem a venda do sal; e enfim se há quaisquer causas que possam vir a alterar o sossego público. É isto que os Senhores comandantes militares têm o dever de exigir dos seus subalternos, além do mais que especialmente lhes determinem, por isso que das faltas, dos desleixos, da incúria deles, são os primeiros responsáveis.”

Vejamos agora qual foi a sequência dos seus trabalhos de ocupação militar e administrativa; à medida que se ia sentindo com força suficiente para os por em prática. Em Agosto, Celestino cria o comando do Remexio, a pouca distância de Díli, de onde podia ser socorrido com facilidade. Significava este facto, dada a situação da localidade no interior, a intenção firme de realizar a penetração; e tal comando é uma lança apontada contra Aileu e Manufai. Em Outubro vale-se do pedido de auxílio feito pelos povos de Ermera, Atsabe e Bobonaro contra os Lamaquitos que os atacavam, para lançar uma expedição contra estes rebeldes, a qual comandada por um major que levava dois oficiais, doze europeus e duzentos e sessenta moradores de Díli, os bate após vinte dias de lutas; aproveita-se então desta vitória, e em Dezembro estabelece o comando de Ailéu, a meio da ilha, guarda avançada da do Remexio, criado cinco meses antes. Manufai sente-se cada vez ameaçado, mas o prudente e astuto governador não julga ainda azado o momento de dar o golpe de massa que aquele reino, o mais poderoso de Timor e cronicamente rebelde, precisava. Mete-se a época das chuvas que dificultam as operações militares, mas o balanço guerreiro daqueles seis meses de governo da colónia é bem lisonjeiro, pois traduz-se em uma campanha vitoriosa, e na criação de dois comandos militares no interior.

Em Março de 1895, isto é, no ano seguinte, uma nova coluna de um capitão, quatro oficiais, dezassete praças de primeira linha e duas companhias de moradores, é lançada contra os reinos de Oeste, os mesmos batidos no ano anterior, e o seu bom resultado no fim de vinte-e-quatro dias, permite em Junho, a criação dos comandos de Cailaco e Ermera, e em Agosto, a do comando-geral da contra-costa, que é uma nova cunha que se vem juntar à de Aileu cravada em pleno coração de Timor. É neste mesmo ano, que se lança contra Manufai, uma poderosa expedição comandada em pessoa por Celestino e composta de três alas: a de Oeste chefiada pelo capitão Câmara, tendo como base de abastecimento e operações o comando de Fatumeia; a de Leste apoiando-se em Alas; e a do centro dependente directamente do governador, com base em Aileu. Como traço de união entre o centro e a ala direita muito destacada, há os arraiais do alferes Duarte que se apoiam na Ermera e Cailaco. São ao todo doze mil homens, dentre os quais apenas marcam umas dúzias de soldados europeus, e uns centos de moradores, sendo o resto arraiais armados e combatendo à maneira indígena.

O plano de operações é de envergadura, e dele devia resultar a asfixia dos rebeldes, estrangulados pelo abraço mortal das três colunas. Infelizmente o comandante da ala direita, dado o seu papel de relevo na colónia, aonde era secretário do governo, julgando-se por isso autorizado a proceder com certa independência, em lugar de se limitar ao papel de efectuar a demonstração de força que lhe fora recomendada, de modo a conter os reinos de Oeste em respeito, para que estes não pudessem prestar auxílio a Manufai, e seguir então a colaborar nas operações contra este povo, avança para o Sul, em vez de o fazer para Leste, prende, vexa, espanca régulos, e bombardeia a povoação de Forem, num estado de irritação e orgulho enormes, pela resistência passiva oposta ao fornecimento de carregadores. É certo que o estado de espírito daqueles povos não permitia depositar neles grandes esperanças para exigir uma possível colaboração, mas segundo as conclusões formuladas no inquérito ao desastre, isso devia ser mais uma razão para não se usarem meios violentos e para procurar que ao menos se não manifestassem ostensivamente.

A não observância de tal atitude teve como resultado um ataque formidável por parte de todos aqueles povos, uma luta desesperada que durou um dia e uma noite, e uma retirada de Forem sobre Fatumeia quando começaram escasseando as munições. Ao chegarem porém aqui, encontraram o forte incendiado e a guarnição trucidada; o desânimo apoderou-se de todos, e fazendo fogo aqueles a quem restavam cartuchos e fugindo os restantes num salve-se quem puder indescritível, são na sua quási totalidade, vítimas de uma chacina implacável.
As cabeças cortadas de quatro oficiais, de alguns sargentos, e de várias praças europeias e indígenas, são troféus que fazem delirar os rebeldes; as peças de artilharia, algumas centenas de espingardas e de munições servir-lhes-ão para a campanha do próximo ano contra as nossas forças, e o forte de Batugadé abandonado pela guarnição espantada do morticínio é pasto das chamas. A repercussão em Díli de tal desastre é enorme, e exige o regresso imediato do governador, então em operações na baliza de Manufai; os europeus julgam voltados os velhos tempos em que a capital era ameaçada de perto pelas hordas selvagens e antevêem as cabeças de todos constituindo já ornamento das cubatas dos vencedores. A serenidade volta, embora a muito custo, mas da parte do governo há que por de parte o plano esboçado do envolvimento de Manufai, e as operações limitam-se a ataques feitos pelas duas colunas subsistentes, a do centro e a da esquerda, que queimam povoações, cortam cabeças, e fazem as presas habituais, sem que entretanto os resultados fossem os que se almejavam, quando se concebera e planeara a campanha.
Em Outubro criou-se porém o posto de Cômoro, e assim Díli fica cingida por três comandos: o do Remexio, o de Aileu, e o de Cômoro, que a põem a coberto de qualquer surpresa e eventualidade.

Os princípios de 1896 passam-se na preparação da campanha de desforra do desastre de Cova e Fatumeia; entretanto em Junho desse ano, estabelece-se o posto de Boibau, a doze quilómetros de Liquiçá, e que representa nesta região, a flecha de penetração no interior; nesse mesmo mês se inicia a reconstrução de Batugadé base permanente de ataque aos reinos de Oeste, sob a protecção duma forte coluna de desembarque e de outras duas manobrando a leste de Loes, cuja missão era não deixar efectuar a concentração de toda a região rebelde contra Batugadé, o que se conseguiu. Uma delas, a do comando do alferes Duarte empenhou-se a fundo contra Cotubaba, Sanir e Cova, e em trinta dias faz uma colheita abundantíssima de cabeças. Em Agosto, a coberto destes sucessos, cria-se o comando de Balibó, a quinze quilómetros para o interior de Batugadé; em Setembro ataca-se Deribate, o qual é batido pelos quatro mil e setecentos auxiliares do alferes Duarte, e em Outubro Fatumeia. Estas vitórias para a obtenção das quais muito contribuiu uma companhia de duzentos e cinquenta africanos, chegada nos meados desse ano, constituíram uma expiação tremenda para aqueles povos, pois a preocupação de dar um exemplo severíssimo levava a não conceder quartel e a não poupar sexo nem idade. Regiões houve como Cova que ficaram, despovoadas, pois os habitantes que escaparam dos furores da carnificina fugiam para o holandês, e temerosos das represálias impostas não só pelas colunas como pelos postos, não se aventuravam a voltar às suas terras.

Em Janeiro de 1897, cria-se o comando de Bobonaro, o qual com Batugadé e Balibó consolida cada vez mais o nosso domínio entre aqueles povos. Em Maio desse ano monta-se o posto de Laivai e em Julho o de Laleia. Em Setembro, numa expedição de sete dias bate-se Lolotoi e Camenasse, a sul de Bobonaro, e como consequência cria-se o comando do Sudoeste, abrangendo Bobonaro, Lolotoi, Suai e Raimea.

O ano de 1898 é consagrado a recolher os frutos das vitórias alcançadas em 1896 e 1897, e a beneficiar do labor guerreiro que tinha caracterizado estes dois anos, e assim em Março cria-se o posto de Ossú, em Julho o de Laclubar; em Outubro o de Cotubaba, e em Abril seguinte o de Guguleuro. Em Julho 1899 dominam-se as veleidades de revolta da gente de Cailaco e de Atsabe, numa campanha de noventa dias na qual perdeu a vida o bravíssimo alferes Duarte, que em Timor deixou um nome aureolado de glória.

O seu prestígio entre o indígena era de tal natureza que a lenda da sua invulnerabilidade às balas vulgares passou a ter foros de coisa assente, e a superstição Timor fez correr que só uma bala de oiro podia matar o terror das suas falanges. Algumas se fabricaram com tal fim, mas o destino, caprichoso como uma mulher, fez cair morto o bravo “arbiro” num parapeito que acabara de saltar com a sua temeridade habitual. Foi uma perda importante para a colónia, porque oficiais como esse denodado batalhador não apareciam com frequência, pois realizava o protótipo perfeito do chefe de guerra de tropas irregulares. Estes simples subalterno saído dos quadros inferiores do exército, tinha a centelha guerreira e comandava cinco e seis mil guerreiros com um “sans façon” e uma naturalidade estupendos. Adaptara-se de tal maneira ao seu papel de chefe de horda, que para animar as suas tropas em combate, não raras vezes marchava à sua frente, bailando e entoando os hinos de guerra Timores, desprezando as balas que prostravam os seus companheiros e que o pouparam a ele durante tantos anos. Morreu porem da morte dos heróis, em plena batalha e com a consciência do dever cumprido. Honra à sua memória!

Como consequência destas vitórias, cria-se o comando da Hatolia e o posto de Leimea, e em Agosto o de Barique. Assim em cinco anos, instalam-se várias linhas de postos de ocupação permanente, em direcções perpendiculares às costas Norte e Sul, e dominando as regiões entre Batugadé e Bobonaro, Liquiçá e Hatolia, Díli e Maubisse, Manatuto e contra-costa, Baucau e Ossú, o que juntamente com Viqueque e Alas significava o estabelecimento em toda a ilha de postos militares agrupados em comandos.

De quarenta em quarenta quilómetros, estava-se seguro de encontrar um posto de oficial, sargento ou régulo fiel, com a sua guarnição, pequena é verdade, mas a que emprestava uma enorme força, moral e material, a proximidade de outros postos, e o apoio das repetidas colunas expedicionárias.

O Timor dia adia, sentia-se apertado numa rede cada vez mais densa de comandos e postos, não desfrutando já daquela liberdade guerreira, a que estava habituado.
Então manifesta-se aqui, ali, por toda a parte, o estremecer dos reinos, dos sucos, das povoações ilaqueados e embaraçados numa malha flexível cedendo um momento, para recuperar a sua primitiva posição. É um explodir não já de revoltas importantes, mas sim de distúrbios sucessivos de pequena intensidade, visto que a acção política dos comandantes, orientada no sentido de aproveitar as rixas e inimizades ancestrais impedia as grandes combinações. Em Outubro de 1900, como excepção há ainda a revolta de Manufai dominada porém a breve trecho. A título de esclarecimento, para se poder fazer ideia dos recursos militares com que dominávamos tais rebeliões e da intensidade que revestiam os combates…
Oficiais superiores 15, oficiais inferiores 18, oficiais de 1ª linha 45, 2 voluntários, 24 régulos, 54 cabos, soldados e corneteiros, 25 oficiais superiores comandantes das forças irregulares, 1096 forças da 2ª linha, 12 333 forças irregulares, 649 auxiliares carregadores, 30 maqueiros….

Em Dezembro de 1901 há a rebeldia de Nunomerque, em Julho 1902 bate-se o Suro, em Agosto Lautém e Lolotoi, em Janeiro 1903 Letofoh e finalmente em Julho, Aileu. Em Março 1904 Kalikai sofre o ímpeto de duzentos moradores e dois mil auxiliares aramados de espingardas de pederneira, e deixa em poder dos vencedores trezentas cabeças e duzentos búfalos, tendo-se consumido oitenta e duas granadas e cinco mil e oitocentos cartuchos, além de dezoito barricas de pólvora.
Em Outubro de 1904 cria-se o posto de Iliomar ao sul de Lautém, que por ser o comando mais remoto, não prendera tanto a atenção dos governos. Em Março desse ano há o sobressalto de Funar, em Julho de 1905 o de Aituto e em Janeiro de 1906 estende-se cada vez mais a ocupação para o sul de Lolotoi, atingindo-se Memo. Em Maio de 1907 o eterno irrequieto e o adversário de mais peso, aquele contra o qual as nossas armas nunca tinham alcançado uma vitória de tal maneira decisiva que lhe tirasse, de todo, as veleidades de instigador de rebeliões, lança fora a máscara com que fora iludindo as nossas desconfianças, e lança-se na guerra, o que nos obriga à mobilização de todos os nossos recursos, mas que teve por consequência, o ministrar-se-lhe uma lição tão severa que o levou a ficar sossegado durante alguns anos.

Do exposto se vê que desde meados de 1894 a 1900, a nossa ocupação se estendeu a quase todo o interior, e que as últimas revoltas anuais quási sempre insignificantes, e dominadas pelos recursos locais de cada comando, eram estremeções epilépticos de um povo sufocando nas malhas apertadíssimas de uma organização administrativa que lhe paralisava os movimentos desordenados e atrabiliários. E tal resultado conseguiu-se sem o auxílio de expedições do exterior, pois tirante a companhia desembarcada após o desastre de 1895, sempre as campanhas se fizeram com moradores de Díli e Manatuto armados de espingardas Remington e principalmente com arraiais usando azagaia e catana, pois as quinhentas espingardas não chegavam para os milhares de timores que combatiam a nosso lado hoje, para serem batidos amanhã pelos seus adversários de véspera, agora nossos aliados. Lutar nestas condições era para nós uma empresa perigosíssima, por termos não só de nos precaver contra traições, como também por não possuirmos a superioridade esmagadora que na maioria das lutas travadas pelos povos civilizados nas colónias, lhes é assegurada por uma maior eficiência de armamento. Os nossos moradores usando a Remington, certamente combatiam em melhores condições que o inimigo, mas não só o seu número era pequeno, como também a ausência de disciplina e espírito militar que os caracterizava, não faziam deles uma tropa segura. As dificuldades eram tremendas pois para nós que sempre tínhamos o papel de atacantes, e é inconcebível como indígenas de civilização rudimentar, armados na sua quási totalidade de azagaias e catanas, tinham entretanto atingido uma perfeição espantosa na maneira de prepararem os seus entrincheiramentos.
Não havia combate que não se traduzisse da nossa parte em demorados bombardeamentos de posições inimigas, no ataque e conquista feitos palmo a palmo das linhas sucessivas de trincheiras, na destruição de abatises, de covas de lobo, de traveses e de parapeitos feitos de terra, de plantas espinhosas, de bambuais enfim. E isto num terreno acidentadíssimo de que em Portugal não há similar, no meio dum arvoredo traiçoeiro que permitia os fuzilamentos à queima-roupa e contra um povo que nos acessos de desespero lutava por vezes com uma bravura tão heróica que ela poderá sofrer com a de qualquer outro. Melhor que qualquer descrição pode dar uma ideia do que se passava, a seguinte transcrição do diário de campanha do Chefe de Estado-Maior da coluna de operações contra Manufai, de 1900, o qual abrange o período que decorre de 17 de Outubro a 25 de Novembro:
A marcha para Aileu efectuou-se pela seguinte forma, no dia determinado:
a) Na frente, com intervalo de uma hora, o comboio devidamente escoltado por forças de Viqueque, Vemasse, Laleia e Laga;
b) Guarda avançada, o arraial de Viqueque;
c) Corpo principal, moradores de Batugadé, de Baucau e o arraial de Vemasse;
d) Guarda da retaguarda, os arraiais de Laleia e Laga;
e) Na testa do corpo principal seguia S. Ex.ª o Conselheiro Governador e o seu Estado-Maior, o serviço de saúde, capelão e outros oficiais que iam assumir o comando das suas respectivas unidades;
f) Escolta do quartel-general, moradores de Manatuto;
g) As bagagens do quartel-general seguiam entre a guarda avançada e o corpo principal.
A marcha para Aileu, em terreno amigo fez-se em condições regulares, podendo reputar-se boas, se se atender às deficiências e péssimas circunstâncias dos caminhos mal traçados e construídos, quando não se limitavam aos trilhos dos indígenas, com declives exageradíssimos, muito estreitos, maus pisos, argilosos geralmente, o que os tornava escorregadios à menor umidade que recebiam, de cotovelos apertadíssimos, trepando e descendo elevadíssimas montanhas. Estas condições porém eram de sobra conhecidas, e absolutamente impossíveis de remediar na estreiteza do tempo, em que urgia realizar as operações de guerra, por se aproximar com brevidade a época das chuvas, época doentia em que as marchas são impossíveis, pelas numerosas ribeiras e linhas de água que é forçoso atravessar e que são impraticáveis nesta época. Durante a marcha e à ordem de S. Ex.ª o Governador, fez-se o primeiro alto em Cômoro às 7,15 horas, a.m. e o primeiro grande alto em Vessaca, onde se preparou a refeição da manhã, às 10,15 a.m. em uma portela da montanha de Mano-Udo, que dá passagem para a sua vertente Sul, tendo antes havido um pequeno alto a meio da vertente que olha para o Norte. No primeiro grande alto, em Vessaca, cuja altitude é de 1:082 metros, reconheceu-se mais uma vez, para os que não se estreavam nesta campanha, o grande inconveniente dos maus e estreitos caminhos, e do transporte de carga por indígenas, dando um extraordinário alongamento à coluna de marcha, impossibilitando num dado momento e em determinado ponto a concentração de todas as forças, e retardando de bastantes horas as marchas, obrigando a andamento muito moroso, tornando-as por isso muito fatigantes e incómodas, para o que também em grande parte contribui a falta de disciplina que os seus chefes naturais não sabem manter, salvo raras excepções, consentindo nas constantes paragens e descansos que logo aproveitam para comer ou mascar e que à sua vontade fazem durante as marchas, se não são vistos dos oficiais e oficiais inferiores de primeira linha.
Estes factos porém que noto no meu diário por cumprimento rigoroso do meu dever, nem me surpreenderam nem causaram estranheza, por os conhecer de experiência, por serem irregulares as forças às quais me estou referindo, e por não haver meio que completamente remedeie os inconvenientes apontados, embora a generalização do uso já estabelecido do transporte de cargas a dorso de cavalos, com arreios apropriados, melhore muito as condições das marchas em tempo de guerra. Saída de Ve-Saca às 12H,15 do dia, chegada ao Comando militar de Aileu às 12,30, p.m. sendo o caminho depois da descida da montanha de Mano-Ulo, feita pelo leito da Ribeira a que uns dão o nome de Lacló e outros de Aileu, esta afluente da de Lacló e que passa a duzentos metros do reduto do comando militar.
Estabeleceu-se o “acampamento” entre duas povoações abandonadas, ambas denominadas Uro-Buli, altitude 1:250 metros, e entre as ribeiras de Era-Meta; à retaguarda e Maubisse à frente.
O sistema seguido no serviço de vigilância e segurança de noite nos acampamentos, durante toda a campanha foi sensivelmente aconselhado por Peroz no seu livro “La Tatique au Landan”, adoptado já em muitas expedições em África, como em 1894 na Guiné, na campanha contra os papuas e grumetes da ilha de Bissau, contra o poderoso chefe Vatua, o Gugunhana, com resultados muito seguros. A linha de desenvolvimento do acampamento, moldando-se à crista militar do terreno, e apropriando-lhe todas as ondulações e vantagens militares, era contínua e de traçado irregular e por vezes caprichoso, devido ao acidentado do terreno e à natureza das forças irregulares de que se compunha a coluna de ataque, sendo impossível por falta de instrução militar, ainda que o terreno o permitisse, impor-lhes formações regulares de batalha, em ordem unida além da linha geral e exterior de defesa ocupada pelos diferentes arraiais conservarem estes a mui próxima distância as suas reservas, que em caso de ataque reforçariam a primeira linha, pondo-a ao abrigo de qualquer ímpeto atrevido do inimigo em massa.
Além destas disposições, mantiveram-se sempre, apesar do preconizado por Peroz, os postos de observação nos altos que dominavam os caminhos e passagens, que mais facilmente podiam dar acesso a quaisquer tentativas do inimigo, obtendo-se sempre os melhores resultados e maior segurança nos acampamentos, tendo sido sempre frustradas todas as tentativas feitas pelo inimigo de dia ou de noite, de ataque às nossas posições.
Dia 6. Por determinação de S. Ex.ª o Conselheiro Governador, foi o chefe de Estado-Maior, o seu ajudante e pessoal respectivo, dirigir um “reconhecimento ofensivo” a Leolaco, empregando as forças do centro, da esquerda, ala direita e reserva, conforme as circunstâncias e necessidades da ocasião; começou o reconhecimento pelo ataque de artilharia à povoação da direita de Leolaco, simulando com forças de infantaria, ataques em diferentes pontos do monte em direcção à povoação do régulo. A princípio, o inimigo inteiramente a coberto pelas suas trincheiras e espesso arvoredo, conservou-se silencioso, sem denunciar os seus postos defensivos, mas apertado pelo avançar das forças de infantaria, calado o fogo da artilharia, em toda a linha das nossas posições de ataque, rompeu em grande aclala, respondendo em toda a sua linha defensiva que circundava o monte de Leolaco, aos fogos das nossas forças, reconhecendo-se então que além de alguns postos avançados bem fortificados, para guarda dos currais de búfalos, abastecimento de água e quaisquer outros fins, tinha o inimigo uma extensa trincheira de terra, revestida de bambu grosso, cingindo a crista militar do monte Leolaco., toda seteirada com três ordens de seteiras, sendo estas formadas na espessura das trincheiras, por tubos de bambu. O inimigo embora bem distribuído com ordem e disciplina em toda a sua linha defensiva não me pareceu numeroso, calculando-o em oitocentos a mil homens. Reconheci mais que estava bem fornecido de pólvora, pelo uso frequente que fazia dos seus fogos, respondendo aos nossos, o que não é dos costumes desses povos quando lhes não abunda a pólvora, porque só empregam então os tiros quási a queima-roupa. A povoação era dominante, muito arborizada, regularmente fortificada, separada por uma ribeira funda e estreita, - Tato-Besse – das nossas posições a norte, as quais ocupavam as cumeadas de um contra-forte cujo nó, ocupado pela ala direita estabelecia a ligação de Leolaco com Riak; a E. e a N.E. descia em rampa suave o caminho descoberto até à ribeira de que já falamos, Tato-Besse, ficando-lhes sobranceiros os montes de Bandeira e Husso, célebre este último por ali ter sido ferido em 1895 o valente e malogrado alferes Duarte; pelo lado sul era inacessível, e as melhores informações diziam que não havia água em Leolaco, abastecendo-se o inimigo da pequena ribeira de Tato-Besse.
Recolhidas estas informações que foram presentes a S. EX.ª o Conselheiro Governador, determinou o mesmo Ex.mo Senhor “ataque geral” para o dia imediato, conforme o determinado na ordem número vinte. Neste reconhecimento sofreram as nossas forças algumas baixas, sendo mortalmente ferido o soldado da companhia de Timor, N.º 40/173 Froádio Bonifácio.
Durante a noite, não houve novidade alguma. Continuou a varíola a atacar o nosso posto.
Dia 7. Efectuou-se o combate geral de Leolaco, iniciado pela artilharia como estava determinado. O ataque demorou desde as 6 horas a.m. às 5,30 p.m. resistindo sempre o inimigo com bastante valor e tenacidade. Tomaram-se-lhe alguns postos, mas vencido um entrincheiramento, outro aparecia resolutamente defendido pelo inimigo; em todos os pontos tomados, foram-lhe destruídos os abrigos. As nossas forças sofreram algumas baixas, devendo o inimigo ter sofrido grandes perdas, que não puderam ser avaliadas, por se ter conservado sempre abrigado e encoberto e ser espesso o arvoredo. Não houve novidade durante a noite. Começaram a aparecer diarreias e febres nos arraiais e a da varíola.
Dia 8. Como se tivesse esgotado a reserva geral de munições de guerra e não tivessem chegado as que a todo o momento se esperavam de Alas, para onde tinham já partido os carregadores necessários, e expedidas todas as ordens, determinou S. Ex.ª o Conselheiro Governador que houvesse hoje descanso geral às forças, mantendo as suas posições e impedindo que o inimigo saísse dos seus entrincheiramentos. Pela 1 hora p.m., saiu o inimigo das suas trincheiras com algum gado para se abastecer de água na ribeira, foi batido e repelido com grandes perdas pelas forças do centro e da esquerda. De noite não houve novidade.
Dia 9. Efectuou-se de novo o ataque geral a Leolaco como foi determinado em ordem número vinte e dois. Tomaram-se mais alguns postos ao inimigo que defendia palmo a palmo a sua posição, não chegando porém a alcançar-se em parte alguma, a trincheira grande. As nossas forças tiveram as baixas que constam do relatório do serviço de saúde. Durante a noite não ocorreu incidente algum; as munições de guerra começaram a escassear e a desenvolver-se a varíola.
Dia 10. Realizou-se o ataque determinado na ordem respectiva, tomando-se com bastante dificuldade alguns postos inimigos; este vendo aproximar-se a artilharia para lhes bater com maior certeza as trincheiras, fez uma sortida por E. pretendendo tomar uma boca de fogo B.E.M. 75 às forças do centro, sendo repelido com grandes perdas entre mortos e feridos. A boca de fogo foi defendida com toda a energia, pela sua respectiva guarnição e apoio dos moradores de Díli e Lacló, sendo gravemente ferido numa ocasião, o capitão de moradores de Díli, Marçal Sequeira, que se houve com toda a valentia. Às 4,30 p.m. conseguiu a artilharia demolir uma parte da trincheira do mesmo lado E. dando o centro e ala esquerda, investida às trincheiras que transpuseram, e foi queimada uma povoação, dependência do régulo, sofrendo o inimigo numerosas baixas. Como fosse adiantada a hora e o inimigo tivesse recuado para outros entrincheiramentos, onde mantinha com tenacidade a defensiva, retiraram as forças do centro e ala esquerda para os seus acampamentos, conservando interceptado ao inimigo o abastecimento de água. Durante a noite no houve novidade; continuaram os ataques de varíola nos arraiais, algumas febres e diarreias.
Dia 11. Continuação do ataque à povoação do régulo em Leolaco que não pode ser tomada, mostrando as nossas forças grande cansaço e fadiga pelo serviço aturado de tão repetidos ataques e algum desânimo, por se baterem a peito descoberto contra o inimigo bem fortificado e fortemente entrincheirado e a coberto. Ainda assim, foi o inimigo repelido de alguns dos seus postos, sofrendo perdas consideráveis, tomando-se-lhes as últimas nascentes de água de que poderia abastecer-se, e que ficaram ocupadas e defendidas por postos das forças do centro e ala esquerda. A noite decorreu sem novidade. Tomaram-se como nos dias anteriores, alguns búfalos ao inimigo.
Dia 12. Descanso geral para todas as forças da coluna, mantendo as suas posições e impedindo que o inimigo se forneça de água e saia dos seus últimos entrincheiramentos.
Dia 13. Ataque a Fenan, povoação grande de Manufai, a S.E. de Leolaco, pela ala esquerda, sob o comando do senhor alferes Antunes, e pelo centro comandado pelo Sr. Capitão Vasconcelos, ficando em Leolaco o inimigo cercado pelas restantes forças da reserva e ala direita, ocupando a primeira e segunda unidade do comando dos senhores alferes Andrade e tenente Reveredo, respectivamente as posições da ala esquerda e centro.
Na noite de 12 para 13, foi feita uma investida de surpresa, às trincheiras inimigas, pelos arraiais de Ulmera, Fatomasse e pico da reserva, coadjuvados pelos de Irlelo, Atabai e Balibó da ala direita, que não deu resultado. Às 2,30 horas da noite de treze, o inimigo surpreendeu um dos nossos postos de primeira linha, constituído pelo arraial de Vemasse, matando-nos à arma branca quatro homens, e ferindo-nos nove, tendo causado um princípio de pânico que brevemente se desvaneceu, sendo o inimigo repelido e perseguido com bastantes baixas. Não houve qualquer outra novidade.
Dia 14. Continuação do ataque a Fuan, conservando-se em volta de Leolaco a mesma vigilância e atitude, trocando-se algum tiroteio com o inimigo, conseguindo os arraiais de Fatomasse, Ulmera e Pico, aproximarem-se das últimas trincheiras inimigas, lançando fogo ao revestimento exterior de bambu. A ala direita destacou uma coluna volante em perseguição do inimigo e apreendeu-lhes bastantes animais. Não houve novidade alguma durante a noite.
Dia 15. Prossegue com vantagem para as nossas forças o ataque a Fuan. Em volta de Leolaco continua o inimigo a ser incomodado com repetidas investidas dos nossos, que todos os dias lhe matam gente, apreendendo-lhes búfalos, cavalos e outros animais, a maior parte mortos a tiro e que são consumidos na alimentação das diferentes forças. Mantém-se a proibição do consumo de munições para armas retrocargas, por estar esgotada a reserva geral da coluna, ser reduzida a das diferentes unidades, e não poder contar-se senão com a remessa que se requisitara ao depósito geral, esperada hoje ou amanhã, por não haver no depósito de material de guerra do distrito. Durante a noite, não houve novidade.
Dia 16. Tomada de Tuan, perdendo o inimigo cinquenta e nove prisioneiros, oitenta e cinco cabeças, e muitos mortos e feridos, alguns deles atacados de varíola; as presas em milho foram abundantes; as nossas forças tiveram trinta e dois feridos e sete mortos. As forças que tomaram Tuan efectuaram o avanço em Manufai, até o mar do Sul; às 10 horas a.m. o inimigo de Riak e Babulo que se refugiara na serra de Kablak atacou pela retaguarda a ala direita, fazendo ao mesmo tempo deste lado uma surtida o inimigo concentrado em Leolaco com o fim talvez de dar fuga aos seus chefes e famílias, sendo porém repelidos com grandes perdas e cortada a cabeça ao chefe de Riak. A noite decorreu sem novidade. Apresentaram-se os chefes de Rotuto pedindo perdão.
Dia 17 e 18. Descanso geral às forças da coluna, conservando-se cercado o inimigo em Leolaco. Chegaram as munições de guerra esperadas. A epidemia de varíola continua a sua marcha progressivamente assustadora; o inimigo em Leolaco promete apresentar-se às autoridades, se S. Ex.ª o Governador lhe levantar o cerco, não o fazendo na ocasião porque teme as represálias das nossas forças. Estas noites passam-se sem incidente algum, sendo profundo o silêncio das posições inimigas.
Dia 19. Último ataque a Leolaco pelas razões aduzidas na respectiva ordem; S. Ex.ª o Conselheiro Governador assistiu e dirigiu pessoalmente este ataque estabelecendo-se no centro da linha geral de investimento em Turo, mandando o seu chefe de Estado-Maior e adjunto para o flanco direito. A artilharia iniciou o ataque, dirigindo muito regularmente os seus fogos, e aproximando-se a quatrocentos metros da posição mais forte do inimigo. A primeira investida das forças de infantaria sob a protecção dos tiros de artilharia, que eram feitos com bastante precisão, foi arrojada e valente, aproximando-se a cinco metros da trincheira mais alta e forte do inimigo, onde caíram os primeiros feridos das nossas forças do flanco direito, e entre eles o régulo de Atabai, Dossi Lelo, o que causou um certo desânimo. Restabelecido o primitivo entusiasmo, deu-se uma investida que poderia ter sido coroada de melhor êxito se uma bala não prostrasse gloriosamente no campo de batalha, ferindo-o no coração, o 2º sargento Ernesto da Conceição, número 65/512 da Companhia de Guerra de Timor, e que comandava uma boca de fogo B.E.M. 75. Este 2º sargento que com tanto valor se tinha distinguido em outros combates, já na campanha de 1896, já durante esta, terminado o fogo de artilharia, terminado o fogo de artilharia e tendo recebido ordem do chefe do Estado-Maior, de mandar avançar sobre a trincheira, um troço de forças irregulares que abrigadas sob uma grande árvore, ali se achavam há já bastante tempo, como visse cumprida a ordem, e o senhor tenente Borges e o primeiro sargento Gomes que com alguns moradores de Manatuto e Pico tentavam o assalto à trincheira inimiga, para ali se dirigiu também com alguns moradores, que na ocasião tinham sido mandados de reforço ao senhor tenente Borges como tinha pedido; ali chegado, tão teimosamente se expos a tão curta distância da trincheira inimiga, trezentos a quatrocentos metros, que em breves minutos caía nos braços do senhor tenente Borges, fulminado por uma bala no coração. Imediatamente reanimei o ataque, mandando fazer repetidos toques de avançar, insistindo em novos assaltos, no extremo do flanco direito, enquanto era removido para o hospital de sangue o cadáver do valente segundo sargento, para evitar o desânimo que a morte de um europeu sempre produz entre as forças amigas. O ataque prosseguiu, rompendo de novo a artilharia fogo, contra as posições inimigas, sem que fosse possível levar as forças indígenas a um assalto decisivo à trincheira inimiga, porque apenas lhe caía um homem morto ou ferido, logo recuavam, empenhando-se exclusivamente em defender o morto ou ferido do corte de cabeça, trazendo-o consigo, conforme é dos seus usos e tradições guerreiras, para não cair em poder do inimigo que não lhe perdoaria o corte de cabeça. Em virtude das ordens de S. Ex.ª o Conselheiro Governador sustentou-se o ataque até às cinco horas p.m. Caiu depois das 2,30 p.m. alguma chuva constante mas miúda. Durante a noite, não houve incidente algum.
Dia 20. Descanso geral às forças da coluna, mantendo-se as guarnições em volta de Leolaco. Foi comunicado aos rebeldes, por ordem de S. Ex.ª o Governador, que a gente do povo que se apresentasse em certo prazo, seria perdoada, podendo desde hoje vir abastecer-se de água à ribeira, desarmada, impondo algumas condições ao régulo de Manufai para obter perdão e ser reconhecido oficialmente como chefe do reino. A noite decorreu sem novidade alguma.



As guerras em Timor, como acabamos de ver, exigiam um enorme dispêndio de energia e a adopção de precauções especiais; e se as marchas, os estacionamentos e os combates se não faziam com os cuidados adoptados pelos exércitos combatendo na Europa, eles eram entretanto rodeados de complicações desconhecidas à maioria das expedições das nossas outras colónias.
¿Como explicar pois a eficiência de tais trabalhos de ocupação, realizados num lapso de tempo relativamente curto, usando de meios tão rudimentares, e contra povos que se sabiam defender? Quando em todas as outras colónias se tornava necessária a remessa periódica de expedições metropolitanas, a fim de se dominarem revoltas e fazer a ocupação, como conceber a adopção de processos tão diferentes em Timor, com uma população superior à da Guiné, e com tradições não menos belicosas que as dos povos dessa colónia? É que essas medidas eram o fruto da concepção dum espírito genialmente organizador e dotado dum tacto administrativo como é raro encontrar-se. Celestino valia-se das rivalidades dos diferentes povos para os enfraquecer e dominar. Umas vezes não intervinha nas suas lutas senão por baixo de mão, como se depreende das seguintes notas enviadas aos comandantes militares de Aileu e Alas:

“Ao Sr. Comandante militar de Aileu se comunica para os devidos efeitos e por ordem de S. Ex.ª o Governador que é muito provável que o reino de Alas ataque a jurisdição de Tutuluro pertencente a esse Comando: em tal caso deverá V. conservar-se inteiramente estranho, porque ao governo convém que Tutuluro seja derrotado, e a todos os que lhe falarem em tal assunto responderá que o governo nada tem com tal guerra, que são questões entre povos que eles resolverão como entenderem e puderem, mas ao mesmo tempo proibirá, publicando os bandos do costume, que em toda a área do seu comando se venda pólvora e mais munições de guerra, e ensinará aos maiorais da sua jurisdição que lhes é inteiramente vedado o interferirem na guerra que se der entre Alas e Tutuluro…”
“Ao Sr. Comandante militar de Alas se comunica para os devidos efeitos por ordem de S. Ex.ª o Governador e em resposta à sua nota n.º 57 de 26 do corrente, que pode permitir ao sr. Régulo de Alas que junte os seus arraiais e castigue a jurisdição de Tutuluro pelos latrocínios e crimes a que se refere; mas faça-lhe saber que a guerra não pode prolongar-se além de 20 de Agosto próximo, pois que os arraiais do seu reino deverão estar já reunidos e à disposição do governo depois de tal dia; far-lhe-á também saber que a guerra não pode ser feita como é costume fazê-las em Timor, e que é indispensável que ele coloque a gente de Tutuluro na impossibilidade de inquietar o reino de Alas durante alguns anos. Esse levantamento de arraiais por parte do reino de Alas pode favorecer e encobrir os projectos do governo relativamente a Manufai, Raimea e Suai. Nesta data se previne o comandante de Aileu para que fique impassível perante a guerra que Alas vai fazer a Tutuluro e que evite que mais gente da sua jurisdição se junte a tal reino, mas V. não tomará alguma ostensiva em tal guerra para que não se diga que é feita pelo Governo, e limitar-se-á particularmente a aconselhar o D. Januário e o D. Félix sobre a maneira de a fazerem, deixando-lhes ver que o Governo não terá dúvidas em lhes emprestar a pólvora que necessitem, responsabilizando-se eles pelo pagamento dela, para os ajudar; nesta data se dá ordem ao Comandante de Alas para proibir desde já a venda de pólvora na área de toda a sua circunscrição, a que também pertence Tutuluro”.

Estas duas notas são uns modelos perfeitos duma política indígena habilíssima em que se destacam os seguintes aspectos fundamentais: enfraquecimento duma tribo à qual se criam dificuldades de municiamento, através da actuação duma outra a que se dão facilidades de toda a espécie que vão desde o empréstimo de pólvora até aos conselhos militares; dignificação da função dos chefes indígenas aos quais se refere com cortesia, tratando-os de senhores régulos; existência duma curiosa tradição de valorização dos mesmos régulos que adoptavam nomes portugueses dignificados pelo uso de dons; utilização destes dissídios para adormecer desconfianças das tribos que se pensa castigar, fazendo uma mobilização de arraiais a favor do governo disfarçada sob o véu de puras questiúnculas indígenas.
Mas quando Celestino se sentia com força, era ele quem como governador organizava a repressão contra tribos mal sujeitas, jogando com os factores militares e políticos como nunca ninguém fez com tanta habilidade. É que não havia combinações políticas de régulos inimigos, que lhe não fossem denunciadas, e para isso muito contribuía o maravilhoso serviço de espionagem exercido pelas suas numerosas amantes (?) indígenas que sendo filhas, mulheres, ou parentes dos chefes lhe comunicavam tudo o que se passava, a começar pelas prepotências e abusos dos comandantes. Nunca houve um governador nem possivelmente tornará a haver nenhum que com Celestino possa rivalizar em conhecimento dos usos e costumes timores, que estivesse mais ao facto de tudo quanto se passava na colonia que administrava, e que melhor partido soubesse tirar das rivalidades dos povos e das intrigas que promovia entre eles. Por isso a sua acção era sempre oportuna, e fazia-se sentir quando menos os seus inimigos o esperavam. Quantas e quantas vezes, uma estafeta vinda dos confins da colonia aonde Celestino se encontrava nos seus contínuos deslocamentos, levava a Díli a ordem de concentração para as companhias de moradores, deixando perplexos até aos seus mais íntimos, desconhecedores do que se passava!
Aquele atlético transmontano, cuja alma parecia talhada no granito das penedias que o tinham visto nascer, gostava por política e temperamento, de se rodear de mistério, e comprazia-se em correr os riscos de laços romanescos, que ao espírito do Timor selvagem apareciam rodeados de qualquer coisa de sobrenatural. Quantas vezes pelo negrume da noite, o aparecimento repentino e imprevisto da sua figura hercúlea, em plena reunião de régulos conspiradores, fazia cair estes de joelhos implorando o perdão para uma falta, que tão longe estavam de julgar ser suspeitada do “catua”, nome porque designavam o Governador! Quantas vezes o velho vapor Díli levantava ferro com rumo desconhecido levando a bordo o enigmático Governador, e voltava dias depois, com alguns cativos que tinham estado prestes a revoltar-se e que ao irem a bordo prestar uma fingida homenagem ao “embote” aí ficavam retidos!
Por isso, Celestino da Silva ficou sempre para o indígena, o homem cujos olhos perscrutavam tudo e todos, aquele para quem não havia segredos por mais bem guardados que fossem; e significativo de tal estado de espírito é o episódio de na revolta de 1912, isto é quatro anos após a sua exoneração, os chefes principais terem voltado às avessas o retrato que pendia das paredes da sala dum comando que acabavam de assaltar, a fim de que os seus olhos os não incomodassem nas resoluções que iam tomar!
Terminava uma campanha, e logo se erguiam os muros dum pequeno forte; um comando militar ou posto se estabelecia nele, e os povos das imediações ficavam sob a fiscalização e direcção das autoridades que, como dissemos, os obrigavam a abrir caminhos, a construir pontes, a cuidar das suas plantações, a ampliar as zonas culturais, e os impediam de fazer as guerras que tanto tinham sido do seu agrado.
Era um trabalho insano esse, que se executava nos intervalos das campanhas, para o qual se tornava necessária uma energia de ferro, de modo a reprimirem-se abusos constantes da autoridade, a canalizar energias num sentido inteiramente novo para os elementos administrativos, e a convencer os régulos a tornarem-se não os espoliadores do seu povo, mas sim os seus dirigentes no novo caminho a trilhar, que era indicado nos seguintes termos: … “Além disso, sendo a cafeicultura uma importantíssima fonte de riqueza, e indiscutível a natural indolência dos indígenas, é indispensável que os comandos militares incitem o povo ao trabalho e forcem os régulos a cuidarem das plantações existentes improdutivas por falta de granjeio, e a fazerem outras. Se não obrigarmos estes povos ao trabalho, e os não ensinarmos, esta colonia permanecerá ainda por muito tempo no estado de atraso agrícola em que actualmente se encontra. Os régulos são em geral tão indolentes como os homens que governam, mas obedecem logo que se lhes ordena qualquer serviço, embora não seja para o Estado, mas só em proveito deles mesmos. Eu tenho mandado um oficial que tem as aptidões necessárias a diversos reinos, para ordenar a limpeza das plantações de café, bem como o amanho do terreno para novas plantações, e em nenhuma parte ainda, teve a lutar com a resistência dos povos. Tenho também fornecido, a título de empréstimo, enxadas, alavancas e pás que têm de ser restituídas ou pagas na próxima colheita; só assim poderei conseguir que a cafeicultura se desenvolva e prospere…”


A situação actual (incidentes em Maio de 2006) é bem complexa e eu limitei-me aqui a alertar para uma história bélica que toda a gente parece esquecer. Os Timorenses são aquele povo bonzinho que sofreu a invasão indonésia, cujas crianças em fuga para a montanha durante a noite nem choravam, mas são também estes que aqui retrato e lá conheci entre 1973 e 1975...

O que importa é que os alegados líderes da rebelião dos 591 soldados (+- uns tantos que se lhes juntaram) não têm no seu passado nenhuma história de luta anticolonial e são uma vez mais títeres às mãos dos seus instrumentalizadores, sejam eles de Camberra ou de Djakarta ou até do próprio clero de Díli...
A história do petróleo e a prisão de Eurico Guterres podem ter mais a ver com isto do que a mera antipatia que todos parecem agora sentir contra Mari Alkatiri.
Depois, temos de juntar os interesses geoestratégicos que já estiveram no cerne da invasão de 7 Dezembro de 1975, e o petróleo. Houve 21,5% de apoiantes da integração na Indonésia e esses estão insatisfeitos com a independência, com a política de Alkatiri que (eles nunca viram como seu, já o não viam como seu em 1973...) apesar desta ser elogiada por Paul Wolfowitz (que não é nenhum santo...embora também não seja como Kissinger ou Ford em 7 Dez 75). Estes 21,5% da população revêem-se mais em Eurico Guterres e não é coincidência estes ataques surgirem logo após aquele ir para a cadeia. Há ainda militares e uma pequena franja política indonésia que apoia Guterres e não perdoa a independência e há muitos timorenses desejosos de os ajudar. Foi pena que os líderes Alkatiri, Horta, Xanana e Roque Rodrigues) não tivessem visto isto a aproximar-se como um tsunami e pensassem que eram apenas umas ondas que a nova democracia resolveria...
Foi pena que à semelhança desse governador colonial (Celestino da Silva) eles não se tivessem dedicado a emprestar pás e enxadas para ocupar os guerrilheiros desempregados das Falintil. Foi pena que com a mudança dos tempos e dos costumes mais ocidentais, eles não tenham "nonas" (amantes) que lhes possam contar o que se passa nos quatro cantos de Timor e tenham sido apanhados "desprevenidos" por esta insurreição tão bem orquestrada pela Austrália, por alguns insatisfeitos que nunca lutaram por Timor durante a ocupação indonésia (estavam na Indonésia e na Austrália) e por uma pequena proporção de elementos jovens insatisfeitos manipulados por Guterres e outros acima deste.
É pena que Xanana esteja a ser ouvido pela voz de Kirsty Sword e não falasse enquanto era tempo, ele afinal escolheu entre os seus os homens do exército timorense que comanda, enquanto para a polícia foram os outros, muitos deles envolvidos com a Indonésia durante a ocupação desta. Esta linha de clivagem pode ter ajudado os estrategas de Camberra a vingarem-se de terem de ceder 50% do Timor Gap a Timor-Leste, fruto das boas capacidades de negociação de Mari Alkatiri. Já todos se esqueceram que a Austrália começou por oferecer 20% a Timor. O petróleo esteve sempre por detrás disto e outorgar novos contratos à ENI italiana e concessões à Republica Popular da China (odiada em Jakarta) não aumentaram a reduzida popularidade de Mari Alkatiri face a Camberra e à vizinha Indonésia.
Mari Alkatiri tem sido um David contra Golias e agora a seguir virá a factura do "apoio" australiano que tentará colocar um governo fantoche ou mais maleável no trono em Díli e para isso a ambição desmesurada de Ramos Horta pode ajudar, seja para Secretário-geral da ONU seja para primeiro-ministro timorense. Que promessas terá ele recebido agora do governo de Camberra? Quem se não lembra já do anunciado apoio que (Horta) recebeu de Gough Whitlam em 1975 quando este já dera luz verde a Suharto para invadir?

Por outro lado ninguém esqueça que o embaixador americano se deu ao trabalho de ir ter com o Reinaldo, um desertor, um fora-da-lei para saber quais as suas reivindicações. Esta preocupação dos norte-americanos com a democracia é de louvar, eles devem-se ter recordado do MFA em Portugal e das reivindicações dos militares. Quando desertei porque o 25 de Abril tardava a chegar a Díli ninguém me quis ouvir, nem australianos, nem norte-americanos. Os australianos também já entrevistaram o Reinaldo e já sabem o que ele quer pois foram eles que o treinaram e se ele diz que precisam de tirar o Alkatiri eles dão uma ajuda. Isto começa a lembrar o Chile em 1973.

Aliás se formos atrás na história recente podemos recordar o que a Austrália fez nas Fiji em 1987 ao democraticamente eleito Temoci Bavadra (pronunciado bavandra): ajudou o golpista coronel (depois major-general) Sitiveni Ligamamada Rabuka (pronunciado rambuka) a depô-lo depois dum golpe de estado em 14 de Maio de 1987 a que se sucedeu outro em Outubro. Rabuka foi um mero instrumento nas mãos dos senhores feudais que se insurgiam com o domínio das ilhas pelos indianos introduzidos ali no início do século XX: crise étnica e devolver a Fiji aos Fijianos e não aos Indianos era o grito da altura. Demorou dez anos à democracia para regressar às Fiji.

Veremos o que vem a seguir, mas enquanto se não dedicarem esforços à formação duma tropa, duma força policial eficaz e sem se cindir sob os fortes laços centenários da etnicidade tribal, enquanto se não ocupar a população jovem e desiludida em formas de trabalho remunerado que lhes augure qualquer futuro (até agora nem presente nem futuro lhes era prometido), enquanto não se explicar à população porque é importante que falem Português em vez de Bahasa ou de Inglês, enquanto isso não for feito, não há doações internacionais que cheguem nem fundos do petróleo que aguentem a instabilidade. Há genes tradicionais e centenários que têm de ser estudados conjuntamente com a influência que a ocupação indonésia e a sua lavagem ao cérebro causaram.
É apenas preciso que a elite dominante burguesa e educada em português entenda esta realidade raramente estudada e tenha a coragem de não entrar em vinganças ou num aproveitamento pessoal tão tipicamente timorense (herdado dos portugueses?) mas antes crie uma atmosfera de conciliação que dê razão a uma nação para todos os timorenses e não apenas para as tribos que agora estão na mó de cima. Eu sempre escrevi para os timores e não para as elites que os dominam

(J. Chrys Chrystello Maio 2006).



CRÓNICA 24
30 MAIO – 1 de Junho 2006
Porque é que há guerras tribais em Timor - III

Para entendermos melhor o que se passou no século XX em Timor, debrucemo-nos no livro da Colecção Fórum “Ocupação e Colonização Branca de Timor” da autoria de Teófilo Duarte, ex-governador de Cabo-verde e de Timor, Vogal do Conselho do Império Colonial da Editora Educação Nacional Lda Estudos Coloniais nº 2 datado de 1944.

Em 1929, ano em que deixamos o governo da colónia, alem dos trezentos e quarenta funcionários públicos brancos, dos seiscentos e noventa mestiços e dos quatrocentos e sessenta mil indígenas havia:
Uma forte sociedade agrícola e comercial pertencente aos herdeiros do ex-governador Celestino da Silva, dispondo de milhares de hectares ocupados por plantações de café, de borracha, de cacau, de produtos pobres, e incultos. Neles se colhiam cerca de duzentas toneladas de café, quinze de cacau e cinquenta de borracha que eram exportadas para as Índias Holandesas… era dirigida por um português, nove empregados brancos e os restantes indígenas.
Uma Sociedade Agrícola, a Companhia de Timor, dispondo de enormes extensões de terrenos quási todos incultos e com dois europeus apenas,
Doze plantadores brancos portugueses, cultivando o café de que colhiam uma quantidade insignificante, que para o mais importante dentre elas andava por quatro toneladas.
Dois comerciantes que mal podiam concorrer os restantes chinas e árabes.
85 Deportados da legião vermelha, idos uma não antes da Guiné, para onde tinham sido enviados primitivamente da metrópole.
Julgamos que tal situação não se deve ter modificado quási nada, até à data dos lamentáveis acontecimentos que se deram na colonia em 1941, a não ser no referente à existência de deportados, pois aquele número foi posteriormente aumentado com mais umas dezenas, medida essa adoptada não por motivos sociais, mas sim políticos.

Timor é a colonia portuguesa que se encontra mais afastada da metrópole… Ainda hoje uma viagem normal para aquela nossa colonia da Insulíndia demora quarenta e cinco dias, enquanto que para a Guiné se faz em oito, e para Angola em vinte… uma ida a Timor, ainda antes da Guerra [6], representava qualquer coisa de complicado, com a utilização sucessiva de carreiras francesas, inglesas e holandesas, e com demoras de cinco e seis dias em Génova, Singapura, Batávia[7], Surabaia, etc.

Depois a tradição ligada ao nome de Timor, sinónimo de terra de clima horrível, que matava ou inutilizava fatalmente, o que provinha do desconhecimento quási absoluto do interior que era magnifico; o estado de permanente insubmissão das populações nativas, com as consequentes e periódicas chacinas dos raros europeus a quem o dever do ofício impunha a permanência num ou noutro porto afastado da capital; a falta, enfim, de toda a espécie de comodidades próprias duma colonia quási toda por ocupar; tudo isso criava uma lenda em volta de Timor, que fazia com que a colocação ali de qualquer funcionário fosse considerada como o pior castigo que se lhe podia aplicar….
A Holanda apesar de ter valorizado intensamente a ilha de Java, habitada por quarenta milhões de malaios, conservava em estado de desenvolvimento económico bastante primitivo a colossal Sumatra, quási toda por aproveitar, Bornéu e Nova Guiné que passam por terem ainda tribos antropófagas, e dezenas de ilhas naqueles mares, entre as quais a sua metade de Timor, incomparavelmente muito mais atrasada que a nossa.

A característica da obra de Celestino foi a ocupação militar e administrativa. Alguns anos depois, aparece em Timor um homem que fará igualmente um governo brilhante, embora sob outro aspecto: o de fomento.

Queremo-nos referir a Filomeno da Câmara. Este foi desde a exoneração de Celestino da Silva até hoje[8], o único governador de Timor que se marcou uma posição de grande relevo, não só devido às circunstâncias que o caracterizavam, como à circunstância bem fortuita de ter permanecido seis anos à frente da colónia. Logo no início do seu governo, teve de dominar a mais temerosa revolta indígena de que ali havia memória. Os chefes timorenses libertos da golilha que a saída de Celestino quebrara, aproveitaram-se do pretexto da elevação do imposto de capitação, para tentarem sacudir o jugo a que mal se podiam acomodar.
Um oficial e vários sargentos que permaneciam no interior foram trucidados; a primeira coluna comandada pelo Governador teve um desastre sério em Aituto, vendo-se obrigada a abandonar uma peça de artilharia, vário material, e a retirar precipitadamente para Aileu. O pavor em Díli, perto do local do combate foi enorme, pois os factos avolumaram-se de tal modo, que davam o Governador como chacinado, e os rebeldes avançando sobre a capital.
A população branca embarcou no vapor “Díli”, num salve-se quem puder, e só a comunicação telefónica do próprio Filomeno conseguiu fazer desaparecer a atmosfera que uma notícia intempestiva e falsa criara.
A chegada porém de algumas companhias de soldados africanos e da Índia, fez entrar as coisas num caminho favorável para as nossas armas, e assim é que, após seis meses de luta intensa, Manufai, o eterno fulcro de rebeliões, o histórico ninho de rebeldias foi batido e obrigado a submeter-se, sendo a mortandade tão grande, e a lição de tal maneira dura, que ela lhe serviu até agora. Apenas Okussi se manteve rebelde e foi dominado no ano seguinte, após uma campanha rápida e sem grandes lances.
Foi nesta guerra que Filomeno se viu obrigado a desenvolver uma energia formidável, para neutralizar incompetências, pusilanimidades e más vontades, que se criou a fama de bárbaro e de homem de pelos no coração. É que ele não só consentira às tribos que combatiam a favor do governo, a sua usança tradicional de decapitarem os vencidos, mas inclusivamente iniciara a cerimónia adstrita ao canto de guerra Timor, dando o histórico pontapé num dos crânios que se encontravam numa lúgubre pira, no campo de batalha. O indígena nas suas guerras não prescindia de exercer o direito que lhe vinha de costumes seculares, de cortar as cabeças dos desgraçados que no ardor da luta lhe vinham às mãos, de com elas formar um trágico amontoado perante o qual entoava o “lorçá”, hino guerreiro que ao branco causa calafrios; e de as correr em seguida a pontapé. O valor e a fama de cada guerreiro avaliavam-se entre eles, pelo número de crânios que tinham suspenso à porta da sua palhota; e os milhares de vozes que num soturno e lúgubre concerto infernal entoavam a célebre canção de guerra, série infinda de insultos para os vencidos, certamente exerciam na sensibilidade efectiva do Timor, a mesma impressão que os nossos cânticos patrióticos têm sobre nós. Filomeno no início da campanha tentou coibir tal usança, mas ao ver-se na perspectiva de ser abandonado pelos seus arraiais, irritados com a proibição de raziarem, roubarem e massacrarem, não teve remédio senão condescender com tais costumes. Por isso, ele foi alvo, na metrópole, convulsionada pelas ideias de falsos humanitarismos que nela imperavam após 1910, de verrinosas campanhas dos seus inimigos políticos e pessoais.

Mas aquela tormenta passou, e Filomeno pode-se lançar rasgadamente na execução dum longo plano de fomento, que pena foi não ser seguido pelos governadores que lhe sucederam. As ideias de Celestino sobre a necessidade de expansão da cultura do café, foram postas em prática, duma maneira ampla e colossal. Adoptando o princípio de cultura forçada, executada em Java por Van den Bosch, e que em vinte anos faria passar a produção, de duzentos e cinquenta mil picos, no valor de cinco milhões e quinhentos e cinquenta mil florins, para um milhão e oitenta e dois mil picos, valendo trinta milhões de florins, Filomeno afastou-se porém dos pormenores que aos olhos do mundo civilizado tinham merecido ao governo holandês, os ápodos de sistema espoliador e ressuscitador dos velhos tempos da escravidão.
Enviveiram-se milhões de pés de café durante os últimos quatro anos do seu governo; fizeram-se transplantações colossais dos mesmos, para matas que hoje são a riqueza de inúmeros povos; experimentou-se a sua adaptação a terrenos no resto da colónia em que ele era desconhecido, umas vezes com êxito e outras sem ele, como no “Mundo Perdido” de Viqueque. Houve a fúria do café, e todo o comandante militar ou de posto fazia consistir o seu melhor título de funcionário cumpridor, executando viveiros e plantações o mais gigantescos possíveis.
Outrotanto se deu com a cultura do coqueiro, e a tudo presidia Filomeno, sem um agrónomo, sem um prático sequer, estudando, escrevendo artigos doutrinários, discutindo e rebatendo pontos de vista às vezes meramente técnicos. Sem exagero se pode ainda dizer que o governador palmilhou a colónia, e onde quer que houvesse uma mata a aproveitar e a encher de café, aonde quer que lhe dissessem ser apropriado o terreno para um palmar, era certa a sua presença. Por isso, passados dez anos, as estatísticas aduaneiras registaram o fruto de tal labor, traduzido num aumento de exportação de cinquenta por cento em relação às quantidades anteriores, e assim é que, se a riqueza da colónia aumentou em tão larguíssimas proporções, a Filomeno o ficou devendo.
A produção não correspondeu ao que se disse ter-se plantado? Os coqueiros produzem ali não aos sete anos, como se escreveu, mas sim aos catorze? Muitas plantações morreram por terem sido feitas em terrenos calcáreos e por conseguinte impróprios? Foi infeliz a ideia das plantações comunais, partilhadas entre o Estado e indígenas, por inculcarem no espírito destes a ideia de que elas eram do governo, só as tratando obrigados, e abandonando-as logo que lho permitiam? É certo que em todas estas observações há uma grande parte de verdade, e que tais circunstâncias fizeram com que logo após a sua exoneração se perdessem as plantações mais recentes por falta de cuidados; que o tratamento das antigas fosse muito descurado, e que o produto das novas passasse a ser umas vezes o quinhão mais ou menos integral dos povos, e outras o exclusivo dos chefes, conforme a maior ou menos consciência destes, e a fiscalização mais ou menos intensa dos comandos. Por isso, o resultado da sua obra que teria sido colossal, se Filomeno tem permanecido mais meia dúzia de anos à frente de Timor, ou se os seus sucessores a tivessem tratado com carinho, foi de frutos relativamente modestos para o esforço desenvolvido, e teria sido de efeitos quási nulos, se ele, à semelhança do que sucede com quási todos os governadores, ali tivesse permanecido apenas os dois anos que eram então da praxe. Entretanto Filomeno foi o único administrador a valer que a colónia teve nos últimos trinta anos, e as deficiências apontadas não conseguem empanar o brilho duma obra que há-de ficar sempre considerada extraordinária.
Nunca em Timor se trabalhou com tanto entusiasmo e tenacidade, e nunca tanta charrua arou os campos até então virgens; e estes trabalhos conjugados com outros pertencentes a diversos ramos de actividade económica e social, tais como a criação da Caixa Económica, a reforma do ensino, etc., constituem um honroso programa de realizações para qualquer governador.
Filomeno teve sempre uma predilecção especial pela actuação económica do indígena, nunca tendo dado importância de maior às possibilidades de povoamento europeu. Ou porque as dificuldades com que deparava para a vinda de colonos se lhe antolhassem irremovíveis, a avaliar pelo insucesso das negociações entabuladas para a fixação de açorianos residentes em Hawai que chegaram a mandar a Timor um seu delegado a estudar o caso, ou por qualquer outras razões, o certo é que ele nunca esboçou qualquer iniciativa no sentido de intensificar a política iniciada por Celestino, e durante o seu governo nenhum outro clono aportou a Timor. Entretanto, a protecção dispensada às actividades brancas colonizadoras instaladas por Celestino através da companhia a que já nos referimos, fizeram com que as más vontades que ameaçavam a existência do incipiente núcleo branco existente não fossem por diante. Assim, tal companhia foi singrando através dos anos, constituindo um elemento de progresso na colónia, devido às suas iniciativas em montar oficinas de descasque de café, de melhorar a sua preparação, de tratar culturas desconhecidas como o cacau e a borracha, e de concorrer como china e o árabe nas transacções comerciais. Aquela companhia é o único elemento económico branco nacional de valor na colonia, e mesmo os outros que se ali foram instalando, saíram dos seus empregados, os quais se foram fazendo, um pouco, mercê das facilidades por ela dadas. As próprias numerosas concessões de terrenos feitas no seu tempo a funcionários redundaram quási todas em insucessos, em virtude destes as não poderem dirigir pessoalmente, por causa dos seus afazeres profissionais.
Filomeno, como não podia deixar de ser, teve a sorte de todos os governadores que se marcam situações de excepcional relevo, e por isso à semelhança do que sucedera com Celestino, deixou o governo da colónia, mercê do trabalho de sapa que os seus inimigos realizaram junto de qualquer mediocridade governamental, que os acasos da política tinham feito passar pelo ministério das colónias. E assim, Timor viu perdidas as largas possibilidades de valorização que lhe poderia ter valido a manutenção daquele homem de governo em tal posto.

…. Os anos passaram e nem os boletins oficiais nem a tradição apontam a efectivação de medidas de grande relevo no referente ao desenvolvimento económico da colónia, principalmente no aspecto do povoamento branco… Apenas em 1927 o “Boletim Oficial” publica uma série de disposições legislativas que, integradas num plano de conjunto, visam a robustecer as incipientes actividades económicas existentes… A política de Celestino e de Filomeno das culturas feitas pelo indígena, do café, da copra, do tabaco, do sândalo, do chá e da borracha, receberam um incremento enorme. Ele é traduzido na execução de viveiros monstros, totalizando 26 milhões de pés de café, de cem mil cocos, de um milhão de árvores, borracha, etc. Em lugar porém de se repetir o processo de Filomeno, da criação de plantações comunais, envereda-se pela distribuição individual de centos ou de milhares de plantas a cada indígena, que as transplantará para os seus terrenos, ficando delas proprietário. Ao mesmo tempo o incremento dado às culturas pobres do milho e do arroz, faz com que os preços destes artigos se vendam a preços excepcionalmente baixo em relação aos anos anteriores, tal é a sua abundância.

Apesar da balança comercial de Timor acusar nos últimos anos, um saldo positivo, a saída porém de numerário para pagamento de fretes, juros de capitais, transferências, etc., faz com que a sua balança económica seja bastante desfavorável, donde resulta que a situação da Colónia é medíocre e está longe da prosperidade que os seus recursos lhe permitem atingir… Timor desde sempre que vem vivendo de subvenções e empréstimos, ora da Metrópole ora de outras colónias, donde se vê que tanto no antigo regime de centralização administrativa como no moderno de autonomia, as mesmas dificuldades têm-se repetido sincronicamente, criando uma atmosfera de asfixia intolerável….
….
As perspectivas de aproveitamento e da fixação como colonos, de alguns elementos locais, foram ampliadas, mercê de circunstâncias fortuitas, por outras de colonização branca, de características mais ou menos penais. A metrópole ia enviar como deportados oitenta e cinco filiados da célebre Legião Vermelha, que durante anos tinha trazido o país aterrado com as suas bombas, com os seus tiros, com as suas violências enfim contra autoridades e figuras em destaque no comércio, na indústria e nas profissões conservadoras… e embora a matéria prima não fosse a ideal para trabalhos de colonização, resolve-se tentar a chance do aproveitamento de alguns desses elementos. Uma dúzia deles que se conseguisse fazer vingar como colonos, numa colónia em que, como dissemos, apenas existiam doze, já era interessante….
… Além do estado de abatimento físico e moral em que chegavam, e de virem desprevenidos de quaisquer meios financeiros, eles não conheciam o meio, e a sua quási totalidade não fazia a menor ideia do que fosse a agricultura. Organizada, pois, uma lista das suas profissões providenciou-se da seguinte maneira: levantou-se-lhes o moral, pondo-os em liberdade, dias após a sua chegada, prometendo aqueles que se comportassem correctamente, toda a espécie de ajudas para ganharem a sua vida, e fazendo surgir na sua mente a perspectiva de virem a ser colonos pura e simplesmente, em lugar de deportados sujeitos a um severo regime de vigilância e repressão. Cuidou-se do seu revigoramento físico fortemente abalado por uma longa e depressiva viagem por mar, fornecendo-se-lhes uma habitação razoável, mosquiteiros, quinino e roupas de que todos eles vinham bem necessitados. Empregou-se cada um conforme as suas aptidões ou as possibilidades de trabalho que oferecia a colónia, de modo a que o subsidio mensal que lhes foi atribuído – dois terços do vencimento dum soldado branco -, lhes pudesse ser retirado dentro dum prazo relativamente curto, a fim de que eles se não convencessem de que tinham vindo na situação de funcionários, embora modestos, do Estado.

… Durante um ano que com eles lidamos, nunca constituíram, para nós, qualquer grave preocupação. É que apesar das draconianas e tremendas instruções dadas às autoridades, no sentido de reprimirem pela força, desmandos que fizessem perigar o sossego público, o que era do conhecimento dos deportados, e que até certo ponto contribuíram para que mantivessem sempre uma linha de conduta razoável, todos eles tinham o sentimento de generosidade com que eram tratados, eles, pobres farrapos humanos para quem a visão infernal de Timor constituíra um pesadelo durante a viagem…

Trechos da carta da mãe dum deportado, Maria Viegas, enviada ao “Diário de Lisboa” “Oxalá que a obra do Sr. Teófilo Duarte no referente aos deportados seja seguida pelo seu sucessor, fornecendo-lhes créditos por um fundo de colonização … Oxalá que seja seguido o exemplo do Sr. Teófilo Duarte que minorou muitas lágrimas e sofrimentos físicos e morais.”

A substituição, porém, do governador levou o seu substituto a não querer continuar com um sistema em que o Governo central lhe podia pedir severas contas, pelo menos no aspecto do reembolso de capitais, visto que os mencionados financiamentos se vinham fazendo à margem de qualquer autorização ministerial, pois o Governo central sempre se desinteressara da sorte dos indivíduos em questão. Despejou-os para Timor, e o governador que se arranjasse como pudesse, não lhe dando quaisquer instruções sobre o regime de liberdade ou de reclusão que haveria a adoptar, sobre subsídios para alimentação e vestuário, sobre competência disciplinar a exercer, etc. Não há que culpar o novo governador da criação da nova situação, visto que ao Governo central cabe apenas a culpa de nunca ter encarado a valer o problema. Por isso, a suspensão das regalias provocou o estiolamento das incipientes actividades que vinham de há apenas um ano, e os deportados passaram a viver miseravelmente do subsídio de alimentação que lhes fora fixado, a envolverem-se em desordens, e a … morrerem lentamente, devido ao clima, à inércia e ao esgotamento físico e moral provenientes duma vida desregrada e sem objectivos. Poucos foram os que conseguiram singrar. Algumas centenas de crianças mulatas devem ser a única reminiscência que daqui a anos se encontre da estadia daqueles oitenta e cinco deportados da Legião Vermelha.
Anos depois, em 1931, nova leva de deportados chega a Timor, mas desta vez não eram eles simples operários bombistas, mas sim gente de entre a qual se destacavam figuras do maior relevo na politica portuguesa. Antigos ministros como Helder Ribeiro e Utra Machado, acamaradavam com estudantes das escolas superiores, com funcionários categorizados, com muita gente, enfim, exercendo profissões de bastante tomo. Embora não se pudesse contar com a maioria de tais elementos para ali se fixarem, visto que eles não perdiam a esperança de que uma reviravolta politica os pudesse restituir ao país, não há dúvida que muitos se poderiam aproveitar, embora a título provisório, e que de entre estes, bastantes se poderiam deixar seduzir com novas perspectivas de vida, quando se desiludissem da queda da actual situação politica. Porém, também desta vez o problema não foi encarado pela metrópole e por isso, eles por lá por lá continuaram vegetando, vivendo do magro subsídio governamental e pouco fazendo de útil para si ou para a colónia, em comparação do que se teria podido conseguir.
Mais uns centos de mulatitos a acrescentar aos provenientes dos legionários, deverá ser também o principal resultado do balanço dado à permanência de tantos elementos brancos em Timor, que pela primeira vez, desde que é portuguesa, viu um tão numeroso contingente de metropolitanos, o que lhe teria permitido sair da deficiente situação em que se encontrava, no referente principalmente à colonização portuguesa.
Entretanto dos quarenta que não foram amnistiados e que lá ficaram, alguns foram singrando como se verifica da seguinte relação, porventura incompleta, e que mostra, se a conjugarmos com as mencionadas quando tratamos dos reformados e dos deportados sociais, o que se poderia ter conseguido…
O Dr. Leal Brandão, dedicou-se à profissão de advogado, José Moreira Júnior à de solicitador, 1º sargento Granadeiro a de professor particular; Álvaro Freire meteu-se a dirigir uma fábrica de tijolo em Balide, José Horta, fez-se comerciante[9], Costa Alves, idem…. (seguem-se mais 14 nomes) … é pouco, mas verdade seja, que o holandês no seu Timor, ainda tem menos brancos!


Vejamos agora como é tratado este capítulo - aqui descrito por um ex-governador português – num livro em inglês do Dr. John G. Taylor, sociólogo em Inglaterra e autor do livro “Indonesia’s Forgotten War, the hidden history of East Timor” publicado pela Zed Books e Pluto Press Australia em 1991 pp. 11-13:
(os excertos foram traduzidos pelo autor)
Entre 1884 e 1890, organizou-se um programa de construção de estradas usando trabalho escravo. Em 1889 criou-se uma companhia a SAPT (Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho) que introduziu plantações de café em Ermera, no noroeste. A partir de 1908 uma taxa individual foi aplicada a todos os indivíduos Timorenses de idades compreendidas entre os 18 e os 60 anos. A única forma de as famílias de camponeses pagarem esta taxa era através da produção e venda de bens nos mercados para além dos que criavam para consumo próprio e subsistência. De 1911 a 1917 foi introduzida uma nova taxa sobre a produção de copra. A introdução destas medidas, em especial a utilização de trabalho escravo criou um grande ressentimento entre os timorenses. Houve reinos que se uniram sob a liderança dum “Liurai” do distrito de Manufai (Same) chamado Dom Boaventura. A rebelião durou dezasseis anos culminando numa revolta que abarcou toda a colónia durante dois anos, de 1910 a 1912. Os portugueses foram forçados a trazer tropas de Moçambique e uma lancha canhoneira de Macau. As forças de Dom Boaventura foram destroçadas em Agosto de 1912. Um jornal australiano, o Angus de Melbourne escrevia que mais de três mil timorenses foram mortos e quatro mil capturados.
Com a resistência esmorecida, os Portugueses introduziram a sua política para minar o sistema tradicional de alianças políticas entre tribos e famílias. A posição dos liurais foi enfraquecida pela abolição dos seus reinados. A colónia foi dividida em unidades administrativas, duma forma geral baseadas em “sucos” (uma espécie de principados). Um pouco do poder administrativo foi assim entregue à unidade abaixo do reino na hierarquia indígena. Isto veio dar novos poderes aos chefes de suco, embora a sua eleição como administradores estivesse sujeita à aprovação dos portugueses. Os portugueses criaram duas novas circunscrições administrativas: o posto que abarcava vários sucos e o concelho que controlava os postos através dum administrador português. Desta forma, os portugueses tentavam substituir o sistema político timorense com uma estrutura e hierarquia independente das alianças tribais e de reinos. O essencial desta campanha de “pacificação” era a tentativa de destruição dum aspecto crucial do sistema social de Timor, cuja reprodução limitava a influência do controlo português. Idênticas campanhas de pacificação ocorriam neste período na metade holandesa da ilha. Foi após esta “pacificação” que se chegou à Sentença Arbitral acordada em 1913 e firmada em 1915 sobre as fronteiras.

Embora os reinos fossem abolidos formalmente as ideologias legitimando a hierarquia política tradicional e os rituais de intercâmbio foram mantidos. Os chefes de suco tinham de garantir o apoio dos liurais, desta forma os dois sistemas acabavam por coexistir. Um sancionado através da coerção e uso de força e o outro por uma forte tradição cultural. Quando os dois sistemas se tocavam a nível de chefe de suco ou de aldeia, a tradição timorense dava alguma legitimidade à hierarquia colonial, mas, de facto, ambos coexistiam numa trégua nem sempre fácil.

O estado Novo de António Salazar estabelecido após o golpe militar de 1926 começou a formaliza a missão civilizacional dos portugueses nas suas colonias através da criação duma nova relação institucional entre estas e a metrópole. O Acto Colonial de 1930 centralizava o poder político sobre as colonias, colocando-as sob a directa dependência de Lisboa. Assembleias ou Conselhos Legislativos foram criados para representar os interesses coloniais locais das elites: a administração, a igreja, os donos de plantações e o exército. Os seus poderes eram porém limitados e limitavam-se a consultas com o governador duas vezes ao ano. Mas mais importante para o futuro de Timor era a criação através dessa lei de duas categorias de pessoas: os indígenas (nativos não assimilados) e os não-indígenas incluindo mestiços e assimilados (nativos assimilados). Para se obter este estatuto de assimilado e a sua correspondente nacionalidade portuguesa um Timorense tinha de falara a língua e ganhar o suficiente para manter a sua família além de ter de provar que tinha um bom carácter. Este critério era dispensado para aqueles que trabalhavam na administração e no comércio. Ao contrário da maioria da população, os assimilados podiam votar nas eleições para a Assembleia Nacional e para os órgãos legislativos locais. Esta distinção entre indígenas e não-indígenas e uma limitada admissão de timorenses para o sistema político colonial português teria uma importante acção na criação duma elite política indígena durante o período pós-guerra e durante a luta pela independência.

Por outro lado, Geoffrey C. Gunn em “Timor Loro Sae 500 anos” ed. Livros do Oriente, 1999 afirma (pp. 16-17, 176-189,

Na verdade, o carácter excepcional e ritualizado que a guerra assume em Timor – o Funu timorense – foi reconhecido por autores portugueses como o governador Afonso de Castro, que na década de 1860 escrevia “… as rebeliões em Timor têm sido sucessivas, podendo dizer-se que a revolta é ali o estado normal e a tranquilidade o excepcional”.

É de assinalar que, um ano após o Tratado de Lisboa de 1859, a colónia foi dividida em dez distritos pelo governador Afonso de Castro. Com esta finalidade foram estabelecidos, inicialmente, dez e depois onze comandos militares para gerirem os distritos…

Em 1861, quase imediatamente após entrar em vigor a nova reorganização de Afonso de Castro, os pequenos reinos de Lacló e Ulmera, ambos perto de Díli revoltaram-se. O governador Castro enfrentou esta rebelião pela força. Acontece também que, graças à tendência de Castro para registar os factos correctamente, a revolta de 1861 é uma das mais bem documentadas, embora seja também verdade que, no que se refere às causas, ele é menos explícito.
… (em Março 1861) soube-se em Díli que havia movimentos de preparação de guerra no reino de Lacló, situado a cerca de 40 km a leste de Díli, dominando as comunicações estratégicas entre a capital e Manatuto. … Cabreira, um soldado veterano na colónia … foi enviado a Manatuto para ali estabelecer a base das operações contra Lacló, enquanto o governador tentava levar o reino leal de Liquiçá a marchar contra Ulmera, o principal centro da insurreição, localizado a cerca de 15 km a oeste de Díli. Mas mesmo quando cabreira se instalou em Manatuto, um mês e meio mais tarde, apenas podia confiar nas forças de Vemasse. As simpatias de Manatuto iam para Lacló e, a oeste, um certo número de reinos – incluindo, em particular, Maubara, recentemente recuperado aos Holandeses – fizeram causa comum com Ulmera.
A 10 de Junho o governador declarou o estado de emergência em Díli e distribuiu armas aos cidadãos enquanto preparava a defesa da cidade. A situação era tão grave que até mesmo o capitão China foi convocado para “armar todos os chineses, seus filhos e os escravos”. O governador podia contar também com o apoio de 40 “fundus”, ou soldados indianos, exilados em Timor em consequência da sua deserção das forças armadas britânicas depois da Revolta dos Cipaios em 1857. Embora Castro tenha tomado a precaução de pedir reforços a Goa, em tropas e mantimentos, sabia que estes demorariam a chegar.
… A batalha contra Lacló, que se iniciou em Abril, não terminou senão a 26 de Agosto, depois de uma série de ataques efectuados pelas forças coloniais e de uma continuada guerrilha por parte de Lacló. Embora o regente de Lacló tenha pedido a paz, Castro quis fazer um exemplo desta rebelião, reduzindo o acampamento a cinzas e dando carta branca aos seus auxiliares para queimar, pilhar e caçar cabeças.

Em Junho 1863, Laga, na região de Macassae, revoltou-se …
Mais tarde foi a vez de Fatomasse se revoltar e de, por sua vez, ser dominado com as forças coloniais auxiliadas pelo régulo de Ermera…
Em Agosto de 1867, o povo de Vemasse, um reino na costa nordeste que incluía Laga, na região Macassae revoltou-se contra Laleia, sitiando-a. O governador com uma força de soldados regulares e “guardas” fornecidos pelos reinos amigos de Motael, Hera; Lacló e Manatuto rompeu o cerco e acabou com a situação.
...
Naquilo que foi descrito num relatório oficial português como uma revolta contra os impostos, o reino de Lermean, sob o comando militar de Maubara e de idioma Kémak revoltou-se contra a autoridade portuguesa …

Em 1868 os portugueses enviaram uma força militar a Sanir cujo rei se recusava a pagar impostos. Os Sanor também de língua Kémak eram tributários de Balibó e estavam sob o comando militar de Batugadé…

Em Cova, a revolta estava, evidentemente, a fermentar havia vários anos… o forte de Batugadé, localizado nos domínios de Cova foi transformado em quartel-general das operações militares. … No mesmo mês as forças portuguesas foram obrigadas a bater em retirada para a segurança de Batugadé … o governador enviou duas Howitzer e duas peças de artilharia de campanha e um reforço de 1 200 homens, entre “moradores” leais e a gente dos reinos de Batik, Laleia, Ermera, Cailaco e Alas… um mês mais tarde a operação foi declarada “inacabada”. Forças adicionais vindas de Oécussi, Ambeno, Cailaco e Ermera reuniram em Batugadé… em Maio de 1871, o então governador João Clímaco de Carvalho, chegou a Batugadé com um grande séquito para um encontro coma Rainha de Cova e com a Rainha de Balibó… mas a Rainha de Cova não compareceu… foi só em princípios de 1881 que o governador pode informar categoricamente Macau que o reino de Cova se tinha “submetido” à autoridade portuguesa.

Em 1887, o infortunado governador Alfredo de Lacerda e Maia foi assassinado por um grupo de “moradores” numa emboscada na estrada de Díli para Lahane… este assassínio marcou o início de uma insurreição dirigida conjuntamente por diversos liurais chefiados por D. Duarte e seu filho D. Boaventura de Manufai.

A revolta de Maubara teve início em 1893 durante o mandato do governador Cipriano Forjaz, atacando os postos de Dare e Fatuboro e oferecendo o território capturado aos Holandeses…

De 1893 a 1896 houve várias rebeliões em Lamaquitos, Agassa, Volguno, Luor-Bote, Fatumane, Fohorem, Lalaba, Cassabau, Calalo, Obulo, Marbo, Manufai que se consubstanciaram sob o governo de Celestino da Silva (1894-1908) em termos de vassalagem para os reines rebeldes de Maubara (1893), Hera e Dailor (1894), Fatumane (1895) e Boebau e Luca (1896), Manufai resistiu até 1900 depois de ter estado a ser atacado por três frentes por forças coloniais e mais de 12 mil timorenses.

Em 1902 houve insurreições em Letefoho, depois foi Aileu (1903), Quelicai (1904) e novamente Manufai em 1907. Deve notar-se que nem toda a guerrilha em Timor era anticolonial, dadas as raízes de hostilidade histórica, os conflitos de fronteiras e comerciais (agrícolas ou de gado). Depois de 1911 a 1912 de novo Manufai chefiada por Dom Boaventura. Curiosamente a 8 Dezembro 1911 no Suai foi toda a população evacuada incluindo prospectores de petróleo ingleses (Pélissier, René, Timor en guerre: Le Crocodile et les Portugais 1847-1913” Pélissier, Orgeval, France, 1996, pp. 257-258). Mais tarde Decreto 30:004 de 27 de Outubro de 1939 seria criada a Companhia Ultramarina de Petróleos para pesquisar jazidas de petróleo a oriente do meridiano 125º 50’ E GW.

Já Geoffrey C. Gunn afirma “… a pacificação colonial da guerra de Manufai ou das várias revoltas de 1894-1901, 1907-1908 e 1910-1913, causou a perda de 90 000 vidas.

As célebres companhias de moradores tiveram a sua última participação em guerra no ano de 1912, e foram reabilitados simbolicamente em 1937 no consulado do governador Álvaro Fontoura que os deixava desfilar nos seus bizarros fardamentos (Fontoura, A., 1942, O Trabalho dos indígenas de Timor, ed. Agência Geral das Colónias, pp. 105-107), armados de paus em forma de espingarda, coberturas coloridas e penas na cabeça e uma minúscula bandeirinha verde-rubra presa estas hipotéticas espingardas. O comandante empunha geralmente uma espada curva a que chamam espada de Macassar. Nalguns regulados os moradores organizaram pequenas formações de cavaleiros-lanceiros usando as lanças embandeiradas. Deve aproveitar-se este entusiasmo para organizar as forças voluntárias de moradores e estabelecer-se a sua colaboração com as forças militares da colónia é o que está naturalmente indicado; mas essa organização requere um prévio e demorado estudo de cada regulado para não se ir destruir a hierarquia indígena evitando também reacender rivalidades muito antigas entre regulados de que ainda existem sinais palpáveis.


Por seu turno James Dunn (Timor: A people betrayed, Jacaranda Press, 1983, pp. 19-20) afirma:

“… Em 1983 a revolta de Maubara, um dos mais importante reinos nativos a ocidente de Díli, foi a primeira duma série de rebeliões que devastaram muito do sector económico da colónia. Assim quando o governador Celestino da Silva tomou posse em 1894 a sua colónia estava num estado lastimável. Foi recebido com uma ampla rebelião, guerra intertribais, depressão económica e anarquia. Nalgumas áreas a agricultura tinha sido totalmente abandonada e a produção anual de café, sempre o índice da prosperidade de Timor, tinha baixado para 800 toneladas.
Em 1895, depois de duas campanhas contra os rebeldes e um sucesso reduzido, Celestino da Silva montou um exército de 28 europeus e mais de 12 mil outras tropas, na sua maior parte guerreiros timorenses, fornecidos pelos liurais, e foi tentar aniquilar aquilo que se tornara numa imensa revolta liderada por Dom Boaventura de Same. Seguiram-se meses de intensas lutas, e massacres de ambos os lados, antes do governador poder clamar vitória e começar a reestruturar a sua administração civil e militar. Como resultado destas vitórias militares, Timor tornou-se independente da autoridade da colónia portuguesa de Macau e o governador passou a ser directamente responsável perante o governo central em Lisboa. Mas a resistência estava longe de ter esmorecido, e por mais de uma vez, pegou em armas contra as forças portuguesas. No início de 1912 uma imensa campanha contra Dom Boaventura na área de Same causou a morte, de acordo com os próprios portugueses, de 3424 rebeldes e ferimentos em 12567, com 289 baixas portuguesas e 600 feridos.
Aos olhos dos portugueses, o governador Celestino da Silva foi um dos melhores governadores de Timor. Decerto que ele foi um dos grandes responsáveis pela “pacificação” de Timor numa longa campanha prosseguida sem mercê durante um período de doze anos, mas o custo em sofrimento humano foi enorme. Nos períodos de paz melhorou a administração criando 11 distritos militares de comando e 48 postos militares. É-lhe igualmente atribuído o crédito pela melhoria substancial da produção agrícola, introdução de novas colheitas e melhoria das técnicas agrícolas mas tais melhorias visavam beneficiar sobretudo os portugueses e os mestiços (Celestino foi um dos fundadores da SAPT) muitos dos quais se tornaram prósperos cultivadores, e beneficiou ainda os chineses que já se estavam a notabilizar como mercadores e intermediários na colónia.

Até à invasão japonesa de Timor durante a guerra não se registaram mais rebeliões tribais. A colónia dividida em nove concelhos passou a ter treze compostos por 60 Postos Administrativos e uma Câmara Municipal (Díli). As circunscrições eram chefiadas por um Administrador e dividiam-se em postos, liderados por um chefe de posto, subdivididas em sucos (grupos de aldeias) com um chefe de suco, e mais adiante estavam as povoações também com um chefe embora este fosse honorífico. Os chefes de posto podiam ser recrutados localmente mas os administradores tinham de ser de carreira.

A última revolta ocorreu em 1959 e segundo o autor escrevia em “Timor Leste o dossier secreto 1973-1975”[10]:
“Se as tropas aliadas tivessem deixado Timor neutral, pode ser que 60 mil timorenses tivessem sobrevivido à brutal invasão japonesa e aos bombardeamentos aliados. Depois do Armistício, a Administração Portuguesa escolhe como novos “Régulos” pessoas nas quais poderia confiar, embora, a sua maioria, carecesse de legitimidade real capaz de os impor às tribos e comunidades locais. A administração portuguesa continua a utilizar os mesmos métodos brutais e de trabalhos forçados com que experimentara antes da Guerra eclodir. Isto provoca a infame rebelião de 1959 em Uato-Lari (na costa leste) em que milhares de guerreiros indígenas marcham para lutarem contra os Portugueses.

Para alguns historiadores a rebelião foi provocada por agitadores indonésios, mas não deixou sombras de dúvidas que se tratava de uma situação temível.

Eventualmente uma “Bére - Bi[11]” trai o seu próprio povo e lança o alarme no Sporting, um clube em Díli[12]. Reforços são imediatamente enviados de Goa (uma então colónia portuguesa na Índia) e acaba por não se derramar sangue. Centenas de patriotas timorenses são deportados para as colónias africanas de Moçambique, Angola, Cabo Verde, e S. Tomé e Príncipe. Para o povo de Timor Leste a guerra só voltará 16 anos mais tarde.

Entre 1945 e Junho 1974, o governo indonésio cumprindo as leis internacionais assevera nas Nações Unidas e fora dela ‘não ter ambições territoriais sobre o território de Timor’.

Em 1960, Timor era considerado um território não autónomo sob administração portuguesa de acordo com a Resolução 1514 (XV) de 14 Dezembro 1960. Entre 1962 e até 1973, a Assembleia Geral da ONU aprova várias Resoluções que apoiam o direito à autodeterminação de Timor Leste e das restantes colónias portuguesas, então eufemisticamente denominadas Províncias Ultramarinas, em sintonia com a França que designava os seus territórios coloniais como ‘Territoires d’outre Mer’.

A rebelião começou a 7 de Junho de 1959 na povoação de Uato-Lari e estendeu-se até Viqueque e de acordo com Bruce Juddery do Camberra Times combinava elementos anticoloniais, anti-portugueses e tribais. O governador português exacerbou os ânimos ao formar uma milícia em Lospalos na ponta leste a fim de combater a rebelião. Numa semana morreram entre 500 a mil pessoas. Segundo Juddery a Indonésia tinha infiltrado oficiais seus meses antes para semearem sentimentos dissidentes no litoral norte até Baucau mas Bill Nicoll, (The stillborn nation, Visa, Melbourne, 1978) explica que os indonésios eram dissidentes da Permesta (rebelião das ilhas exteriores da Indonésia, Molucas do Sul), apoiados pela CIA para lançarem uma guerra secessionista mais ampla na Indonésia. Aparentemente não tinham o apoio de Jakarta embora o cônsul indonésio fosse demitido em 3 Junho 1959. Os indonésios tinham obtido asilo português mas foram expulsos enquanto os dirigentes locais do movimento de Uato-Lari foram deportados para Angola e só foram autorizados a regressar a Timor em 1968. Nesse ano abriu a delegação da PIDE em Díli que além de vigiar timorenses também se preocupava com a Timor Oil Company e outras ameaças como os sindicalistas australianos. Abílio de Araújo liga a PIDE a uma resposta à insurreição de Junho 1959. Nesse mesmo ano, a sua equivalente australiana, ASIS (Australian Secret Intelligence Service) abre uma delegação em Díli. A comunidade árabe de Timor situava-se em Alor a oeste de Díli e quando tentou naturalizar-se indonésios no Consulado em Díli, os portugueses ofereceram-lhe a nacionalidade portuguesa (Kompas, 15 Agosto 1977).

Já Themudo Barata [13] narra assim a sublevação de 1959:

“As primeiras notícias de que algo de preocupante se passa no leste chegam ao administrador de Baucau nos primeiros dias de Junho, através duma informação do encarregado do posto de Baguia: dois dos indonésios de Viqueque ter-se-iam reunido com alguns chefes nativos de Uato-Lari e Uato-Carbau para planear uma revolta. As reuniões efectuaram-se de noite e naqueles próprios postos. … Nesse mesmo dia o administrador de Baucau é instruído para “ter os indonésios preparados para, se necessário, serem transportados para Díli.”
O Administrador – então em Díli – transmite estas instruções para Baucau, com o pedido de as comunicarem também para Viqueque. Porém, já em 3 de Junho aquele administrador havia sido chamado pelo Encarregado do Governo, que o incumbiu de regressar de avião a Baucau para prender dois timorenses tidos como implicados no movimento (um deles o encarregado da estação postal).
O administrador de Viqueque foi informado, em princípios de Junho, por carta da administração vizinha (Baucau) dos acontecimentos de Díli e das movimentações dos asilados de Viqueque até Uato-Lari e Uato-Carbau. Pareceu-lhe, porém “que tais notícias não correspondiam à verdade”, pois todos os dias se avistava com os indonésios. E além disso, quatro deles tinham acabado de assinar uma declaração em papel selado pedindo para regressar à Indonésia. É provável que, pressentindo que as coisas não estariam a correr-lhe de feição, isto fosse uma simples tentativa de se escaparem.
Todavia, pela meia-noite de domingo, dia 7, a residência do administrador estava a ser assaltada e ele a ver-se obrigado a retirar sob fogo dos sublevados!
Nas vésperas, o secretário da administração de Baucau havia-lhe transmitido instruções do governo para que os indonésios fossem avisados que uma viatura os viria buscar “a fim de regularizarem assuntos do seu interesse”. Santa ingenuidade!
Os indonésios apercebem-se que o cerco se aperta. Na manhã desse domingo, o administrador ouve alguns dos indigitados na presença dum velho colono. Todos garantem que nada fizeram e nada sabem.
Contudo, apesar disso, determina que um dos apontados como mais activo aguarde a conclusão das averiguações no quartel dos “sipaios”. Este finge obedecer, vai buscar a sua roupa a casa dum amigo, mas no percurso encontra-se com o tenente Gerson que o manda seguir imediatamente para Uato-Lari para sublevar esse posto. Ele cumpre. O administrador só a posteriori descobre tudo isto. Na ocasião continuava a confiar, considerando que “algum perigo que porventura pudesse existir havia passado”. Tanto assim que – como confessa no seu relatório – na tarde desse domingo jogou tranquilamente futebol com os indonésios “quando já arriavam abandeira nacional em Uato-Lari”.
De facto, pelas cinco da tarde, Uato-Lari é assaltado pelo chefe atrás referido com apoio de alguns sipaios, tendo o cuidado de cortar logo as ligações telefónicas com Viqueque. Convoca o povo e manda emissários a Uato-Carbau para falarem com dois chefes de suco desse posto e com instruções para fazerem o mesmo. O plano prossegue com êxito!
Pelas oito e meia dessa noite, três indonésios (Gerson, Jeremias Pello e Moniaga) reúnem-se em casa dum funcionário aposentado com mais três ou quatro timorenses de certo nível cultural e umas dezenas de outros mandados vir de localidades próximas. Moniaga havia procurado contacto telefónico com os asilados de Baucau. Ou não o conseguiu ou não foi convincente, pois estes nove indonésios foram presos na manhã seguinte sem qualquer dificuldade: estavam todos pacatamente dormindo.
Sentindo-se descobertos, os asilados políticos de Viqueque decidem assaltar a secretaria da administração e apropriar-se de todas as armas e munições, o que fizeram cerca das onze e meia da noite, regressando com esse espólio à casa onde se haviam reunido. Entretanto Gerson mandou cortar as ligações telefónicas com Ossú[14] e interceptar a estrada com árvores para impedir o trânsito
Nessa noite – num novo gesto bem revelador do seu estado de espírito de uma extrema confiança para além dos limites da prudência – o administrador dispensou um dos dois sipaios armados que, com os “moradores”, fariam a guarda à secretaria “porque o ambiente era calmo”, “porque o movimento tinha sido já descoberto em Díli e efectuadas prisões e porque já os indonésios estavam prontos a seguir para Díli nessa manhã (…) aparentemente satisfeitos (…)” A guarnição era pequena obrigando-os a perder por vezes noites sucessivas. Quis poupá-los.
Grande decepção iria ter! Poucas horas depois dá-se o assalto à secretaria. Há guardas que resistem e são feridos.
O administrador só dá conta do que se passa, quando os sublevados se decidem a assaltar a sua casa. Pouco deve passar da meia-noite. É cercada pelos indonésios, que arregimentaram também uns timorenses que dormiam por ali para receberem salários e pagamentos de cocos que tinham vendido ao estado. Surpreendido pelo tiroteio, reage como pode. O tenente Gerson comanda o grupo que ataca a residência, enquanto outro asilado, acompanhado por um timorense dos que estiveram na reunião, toma posições junto à ponte da estrada para Ossú, no intuito de impedir a retirada.
O administrador consegue meter-se num jipe com a família e com um aspirante administrativo (timorense) que o coadjuvava e, debaixo de fogo, com o jipe varado pelas balas, felizmente sem danos pessoais, chega a Ossú, tendo logrado passar sobre os troncos que pretendiam barrar-lhe a estrada.
Telefona para o seu colega de Baucau pedindo 50 “moradores” para o acompanharem no seu regresso a Viqueque., logo que deixasse a família em segurança. Pelas três da madrugada telefona também para Díli (para o chefe de gabinete) a dar conta desta grave ocorrência, o qual lhe determina que peça o jipe da missão local e se dirija a Baucau, para onde lhe serão dadas directivas.
Os sublevados não ficam inactivos. Apropriam-se da camioneta da administração de Viqueque e seguem para Uato-Lari. Chegam pela manhã sendo recebidos pelos amotinados que tinham ao peito tiras de pano com as cores da bandeira indonésia.
O tenente Gerson, com dois timorenses mais evoluídos, prossegue para Uato-Carbau, onde são igualmente bem recebidos.
Em Díli, o chefe de gabinete, após o dramático relato do administrador Ramos, telefona ao chefe da polícia. Dão umas voltas rápidas pela cidade para esclarecer uma perseguição suspeita (ou fantasiosa?) que haveria sofrido o radiotelegrafista que aquela hora entrava de serviço, segundo participação que acabara de fazer à polícia.
Dirigem-se à residência do Encarregado de Governo que dá ao tenente Braga instruções para informar o Chefe de Estado-Maior acerca da situação e para lhe dizer que deve mandar imediatamente preparar duas secções de atiradores reforçadas, sob o comando dum subalterno para seguirem para Baucau logo ao alvorecer. Isto para além, claro está, de outras providências como: controlo de comunicações telefónicas, alerta das unidades militares e imediata detenção dos restantes asilados indonésios.
Pelas seis da manhã, o Encarregado de Governo assiste no campo de aviação de Díli à partida daquela pequena força para Baucau, onde haviam sido mandadas requisitar camionetas e convocados alguns civis (timorenses, europeus e chineses) a quem foram distribuídas armas e munições. Recomenda-se aos chefes nativos da circunscrição de Baucau que reúnam os seus homens e patrulhem a sua área com os meios tradicionais.
Pouco depois do meio-dia de segunda-feira, o administrador Ramos regressa a Viqueque apoiado por essa pequena força (um oficial, um sargento e nove praças), estando ele próprio armado apenas com uma simples espingarda calibre .22, cedida por um particular.
Pelo fim da tarde sabe-se que havia regressado o motorista da camioneta de um comerciante chinês, que os sublevados coagiram a ir a Uato-Lari e que dá notícias preocupantes: os revoltosos foram recebidos por bastantes chefes nativos com os seus arraiais.
Decide-se então promover também o levantamento de arraiais fiéis. Na zona de Viqueque, com excepção de Lacluta, a população reagiu mais lentamente. Em Lautém a reacção foi muito viva e muito rápida: poucas horas depois todo o povo se mostrava disponível e, nessa noite, o respectivo administrador tinha já à sua volta centenas de homens.
Nessa agitada manhã de segunda-feira, dois dos restantes asilados de Viqueque são detidos a caminho de Ossú, prova que os revoltosos apenas haviam encontrado algum apoio na região a leste da estrada Baucau – Viqueque, nas áreas de Uato-Lari e Uato-Carbau.
Segundo as últimas informações chegadas ao gabinete, os rebeldes haviam deixado em Uato-Lari gente sua chefiada pelo António Metan e pelo indonésio Moniaga e tinham reunido a norte de Uato-Carbau três grupos relativamente numerosos. Suspeitava-se que tivessem – ou que pensassem ter – apoios em Laga, fundeadouro no estreito de Wetar (na costa norte), onde a presença demasiado frequente de córcoras indonésias causava certa desconfiança.
Os arraiais de Lautém, coordenados pelo administrador Serra Frasão e apoiados por uma parte da pequena diligencia militar estacionada em Lospalos, formam o cerco por leste, mantendo-se também atentos à zona de Laga.
Em Díli há preocupação e um certo nervosismo: são poucas as informações sobre o que realmente se passa nas áreas sublevadas e são muito poucos os meios. Na terça-feira, dia 9, decide-se enviar um reforço de mais alguns soldados e designa-se o capitão Manuel João Fajardo para dirigir localmente as operações. Este destacamento iria de avião, mas, afinal, à última hora, vai em alguns Unimogs militares.
É manifesta uma certa tensão no relacionamento entre o estado-maior do comando militar e a repartição do gabinete do Encarregado do Governo, ainda que o responsável máximo seja, em ambos os caos, a mesma pessoa.
Uma divergência importante surge quanto ao plano a seguir para dominar a sublevação. O chefe de gabinete (que, na prática, vinha coordenando tudo, em ligação com os administradores) discorda da orientação seguida pelo capitão que passou a comandar as tropas enviadas para o leste, o qual centra as suas forças e preocupações em Viqueque, para onde faz seguir também todo o pessoal civil disponível em Baucau, incluindo médicos e enfermeiros. Ao contrário, entendia o gabinete ser fundamental impedir o acesso dos revoltosos à costa norte e dar, portanto toda a atenção à zona de Baguia para barrar o caminho para Laga. O capitão era apoiado pelo Chefe do Estado-Maior. O tenente Braga coloca o assunto ao Encarregado do Governo (e Comandante Militar) que concorda com as suas preocupações, mandando imediatamente reforçar a guarnição de Baguia com parte de um destacamento militar que guardava a estação de rádio de Baucau.
O tempo corria. Estava-se já a 10 de Junho. As comunicações com Viqueque continuam difíceis. Desde há dois dias nada se sabe da coluna militar. A diligência de Baucau seguiu na noite de 10, quarta-feira, para Baguia e na madrugada seguinte segue de Díli uma nova secção de atiradores para a substituir.
E – atente-se na pobreza dos meios – envia-se mais um cabo e duas praças timorenses com uma Bazuka para reforçar Baguia.
Pelas 11 horas de 11 de unho, efectivamente os insurrectos estão à vista de Baguia e pelo meio-dia tentam um primeiro assalto à tranqueira[15]. Nesse preciso momento estava a chegar um jipe com o tal lança-granadas Bazuka, que nem sequer houve tempo de recolher dentro da tranqueira. Só num pequeno intervalo entre os assaltos isto se consegue. Os sublevados retrocedem com algumas baixas, recompõem-se e, por mais de uma vez, repetem a tentativa. Felizmente, para nós, as armas e munições que tinham roubado eram de fraca qualidade (muitos cartuchos não disparavam).
Iniciam a debandada em direcção a Uato-Carbau. Na circunscrição de Baucau, apenas dois chefes nativos do posto de Baguia tinham apoiado os revoltosos, mas não conseguiram sublevar os seus povos e foram mortos pelos seus próprios homens.
No final da tarde, quando o gabinete procurava ainda obter notícias da coluna do capitão Fajardo, surge inesperadamente na linha a voz de um guarda-fios que procurava restabelecer as ligações telefónicas com Ossú. Estava escondido no mato e não ocultava o medo bem natural que sentia naquela situação. Já havia podido contactar com o seu colega de Uato-Carbau, que o informou que os rebeldes já tinham regressado após o ataque a Baguia, fugindo para as suas terras ou procurando esconder-se.
Pouco depois, o mesmo guarda-fios informa que esse seu colega lhe diz que se ouviam grandes estrondos para os lados de Uato-Lari. Vem depois a saber-se que eram as nossas forças que, antes de entrarem em Uato-Lari, haviam disparado granadas de morteiro.
Este pequeno incidente é bem revelador das enormes dificuldades técnicas no domínio das comunicações e, também, da falta de ligação entre as pessoas. Somente pelas 10 da manhã do dia 12, sexta-feira, o Encarregado do Governo (e Comandante Militar) entra em contacto com o capitão Fajardo. Estava já em Uato-Lari. Procedia a averiguações que retardavam o seu avanço para Uato-Carbau. Segundo ele, os rebeldes estariam concentrados na foz da ribeira de Irabere, preparando-se para atacar Uato-Lari. Todavia, nesse momento a coluna com os arraiais do administrador de Lautém atacava Uato-Carbau, depois de ter atravessado a vau aquela ribeira.
Continuavam a ser diferentes as perspectivas do gabinete e do comando das operações militares: o primeiro considerava urgente que a coluna se ligasse aos arraiais no ataque a Uato-Carbau: o segundo entendia que o essencial seria conter a ameaça da presumida concentração na foz da Irabere.
O Comandante Militar chama imediatamente o Chefe de Estado-Maior e determina que, na manhã seguinte, o capitão Barreiros (acompanhado dum antigo funcionário civil que conhecia bem aquela região) fosse assumir o comando da coluna, enquanto o anterior prosseguia as suas averiguações em Uato-Lari. Parte de avião para Baucau no dia 13. Na véspera, os arraiais de Lautém ocupam Uato-Carbau. A rebelião desmantela-se. Os rebeldes espalham-se. É o “salve-se quem puder”.
Mais uma semana e, dos principais responsáveis apenas havia por capturar um dos indonésios, que foi detido na manhã do dia 20 e um ajudante de observador dos serviços meteorológicos, detido quatro ou cinco dias depois.
Precisamente nesta ocasião (22 de Junho) chegava eu[16] a Timor.


O instrutor do processo pensa que foi tudo iniciativa do próprio cônsul Nazwar Jacub, solidário com rebeldes de Sumatra, que via no êxito da sublevação em Timor um reforço para o seu partido. Talvez isso tenha uma grande parcela de verdade, mas o facto é que o novo cônsul (Teng Ku Hussim) continuou a dar apoio aos implicados e, inclusive a sugerir-lhes o recurso ao asilo político. E mais ainda. As ameaças da Indonésia não pararam. As actividades suspeitas do novo cônsul prosseguiram e, poucas semanas após o meu regresso à Metrópole, na fronteira terrestre (região de Covalima), há mesmo infiltrações declaradas de grupos de cerca de 200 indonésios acompanhados de polícias com pistolas metralhadoras e espingardas, que deram origem a sérios confrontos e a firme reacção das nossas tropas de 2ª linha.

John Taylor, no seu livro “Timor - A História Oculta”, p. 59, explica o seu ponto de vista, citando José Martins (líder do Kota):

"Relatórios sobre o grau de envolvimento indonésio na rebelião variam consideravelmente, alguns argumentando mesmo, que os catorze oficiais eram agentes directos do governo indonésio, enviados certamente para organizar o derrube da administração colonial. O que parece mais provável é eles terem sido líderes locais, verdadeiros dissidentes, que tentaram mobilizar o descontentamento local como meio de refazerem a sua base, em Timor Leste. O que é inquestionável é que eles foram ajudados tanto pelo cônsul indonésio em Díli, como por apoiantes em Kupang, no Timor indonésio, os quais tinham concordado em fornecer armas. Estes factos indicam, no mínimo, que já existia um lobby integracionista que tinha o apoio, a certo nível, do governo indonésio."Aliás, as consequências desta "aventura" foram mínimas para os instigadores indonésios, que foram apenas expulsos. Como sempre aconteceu e pelos vistos continua assim ainda hoje, os timorenses envolvidos é que foram carne para canhão, tendo sido mortos, deportados, presos e sido "premiados" com a presença da PIDE em Timor a partir desse momento.

Por seu turno, James Dunn (Timor: A people betrayed, The Jacaranda Press, 1983, pp. 33-34) declara enfaticamente
“É altamente improvável que o governo indonésio esteja implicado, ou que soubesse mesmo o que se estava a passar. Tudo começou com um barco carregado catorze sobreviventes indonésios do movimento “Permesta”, um dos grupos da chamada “Revolta dos Coronéis” contra o Presidente Sukarno e o governo central, comandada pelos coronéis Lubis, Kawilarang, Simbolon, Hussein, Warouw e Sumual. Os refugiados aportaram a Timor Português provavelmente vindos do sudeste das Celebes (Sulawesi) onde a força principal da resistência militar tinha sido aniquilada pelas forças do governo central. Buscaram asilo político em Timor Português e, a seu tempo, foi-lhes autorizada a permanência na zona de Baucau. Contudo, os indonésios rapidamente se apercebera de que o sistema colonial português não lhes agradava, e começaram a semear intriga a dissidentes timorenses na zona de Viqueque – Ossú, Baucau, Uatolari, e mesmo em Díli, numa tentativa de destronarem o poder colonial. Os asilados obtiveram também o apoio do cônsul indonésio em Díli, que, parece ter agido sem o conhecimento o consentimento de Jakarta. O que se passou foi que a amante rejeitada dum dos principais conspiradores divulgou o planeado golpe à polícia em Díli e foram tomadas as devidas contra medidas. Contudo, registaram-se violentos confrontos nos distritos de Ossu, Viqueque e Uatolari., nos quais cinicamente os portugueses utilizaram tropas de 2ª linha de reinos vizinhos que eram tradicionalmente hostis aos rebeldes timorenses, tendo a oposição sido prontamente aniquilada duma forma sangrenta. Mais de 150 foram mortos e centenas feitos prisioneiros. Sessenta timorenses foram exilados para Angola e Moçambique e, a seu tempo, os dissidentes indonésios expulsos de Timor. O cônsul foi chamado e repreendido pelo seu envolvimento. Os Indonésios reclamaram a sua inocência ou qualquer envolvimento no conluio de 1959, mas os portugueses que pouco ou nada sabiam da insurreição em Sulawesi desconfiaram. Parece no entanto haver poucas dúvidas de que se tratou duma iniciativa local dos fugitivos da Indonésia Oriental que foram capazes de explorar o descontentamento com a administração local. O conluio foi provavelmente demasiado amador e, mesmo que não tivesse sido descoberto, provavelmente não teria tido sucesso em desalojar os portugueses. Contudo, o incidente teve profundas implicações nas autoridades locais e nos Portugueses em geral, dado coincidir com uma intensificação da campanha do Presidente Sukarno contra o imperialismo e colonialismo. Os portugueses reagiram com um aumento da sua capacidade de segurança na província e na fronteira e com o aumento da delegação da PIDE. Contudo o incidente não se repetiu. Havia disputas fronteiriças de tempos a tempos, normalmente causando algumas baixas ou perda de vida, mas normalmente tratava-se de confrontos derivados de roubo de gado, ou de disputas tribais envolvendo os dois lados da fronteira. Sempre que um incidente desses ocorreu, causava tremenda inquietação em Díli e especulação duma intervenção indonésia. Um dos pontos mais alto desse nervosismo ocorreu em 1962 quando os holandeses finalmente cederam a Irian [Papua] Ocidental à Indonésia. Era temido que Timor Leste fosse o próximo alvo de libertação, mas a campanha “ganyang malaysia (esmagar a Malásia) ” veio trazer uma nova dimensão e proporcionando o alívio à administração colonial [portuguesa].”

Esta também a versão dos eventos de que me servi no livro Timor Leste o dossier secreto 1973-1975, mas que como se vê é bem diferente da do ex-governador Themudo Barata.

Depois desta longa visita ao passado, do fim do século XIX a meados do século XX, parece difícil atribuir os incidentes de Abril 2006 a conflitos tribais, dado que eles parecem ter-se esgotado em Junho 1959, sem qualquer registo posterior de lutas intertribais. O poderio dos régulos e liurais esmoreceu e já em 1975 era pouco mais do que simbólico. A divisão administrativa colonial portuguesa fizera esbater esta tradicional divisão dos povos de Timor, e, posteriormente, com a ocupação indonésia parece ter-se esfumado de vez. O que não desapareceu porém foi a animosidade ancestral entre o oeste e o leste, tanto mais que agora surge enriquecida pela dicotomia de resistência activa contra a Indonésia representada pela Falintil e pelos povos de leste contra os povos de oeste, associados ao colaboracionismo com o invasor. Desde a proclamação da independência que se ouvem queixas dos antigos guerrilheiros e aqui cremos que o Estado falhou totalmente por menorizar estas queixas e deixá-las latentes nos milhares de soldados guerrilheiros compulsivamente passados a uma reforma sem benefícios fiscais ou económicos e sem ocupação ou treino para ocuparem a sua posição dentro da nova sociedade democrática timorense. A má divisão da atribuição dos postos de comando e chefia militares a pessoas Loromonu em detrimento dos Lorosae tem ab initio um certo fundamento nas queixas que motivaram os incidentes que levaram em Fevereiro à saída de mais de 500 militares, prontamente demitidos por abandono do cargo. Cremos que o governo subestimou a real dimensão do problema e se serviu duma legitimação legalista para a levar a cabo sem se aperceber da caixa de Pandora que poderia estar a abrir. Houve inacção e incúria e até uma certa forma sobranceira de tratar o problema. O Presidente Xanana depois de ouvir os descontentes mostrou que estava a favor doutro tipo de solução, mas o governo permaneceu mudo e firme na sua decisão de não os reintegrar. Até aqui verificaram-se dois factos apenas: descontentamento por origem étnica e por motivos de privilégio aos Loromonu.

Não havia ainda de facto nenhuma tentativa de golpe de estado. Só quando os autoproclamados lideres militares rebeldes (ou meramente desertores?) intensificam as suas exigências, após a criação duma Comissão de Inquérito, e pedem a cabeça do governo ou a demissão do mesmo, obviamente com o apoio de forças externas como foi dito por Mari Alkatiri, se pode começar a falar de tentativa de golpe de estado. O plano B certamente apoiado pelos EUA, Austrália e outros confiava que a candidatura do embaixador José Luís Guterres tivesse um amplo apoio das bases da Fretilin, o que não aconteceu. Foi um fracasso total e veio reforçar ainda mais a liderança do primeiro-ministro (sempre tão odiado pela Austrália que jamais lhe perdoa as duras negociações para a exploração do petróleo e a sua firmeza em não abdicar duma linha de crescimento económico lenta mas segura). Nesta altura já as tropas australianas estavam em fase adiantada de preparativos para uma “invasão pacífica” de Timor a pedido deste jovem país. Não se contesta que as coisas chegaram a um ponto em que era forçoso pedir a ajuda do exterior para terminar com os conflitos entre exército e polícia, ao longo das mesmas margens de divisão que atrás se mencionaram. A rapidez da chegada das tropas australianas só veio comprovar que o seu estado de alerta para intervir se tinha precipitado com a vitória esmagadora de Mari Alkatiri no Congresso da Fretilin.

Nesta ocasião esperava-se muito mais do sábio Xanana que se limitou a uma ou outra pálida intervenção e preferiu manter-se na sombra, em vez de vir a terreiro clarificar as águas. Sei que muitos em Portugal atribuem a Xanana qualidades mais próprias dum santo do que dum ex-guerrilheiro mas decerto a maioria não estava preparada para o ver apenas como um home como ele veio a demonstrar ao longo desta fase do conflito.

Por seu turno, quem não perdera tempo a demarcar-se e a criticar o governo foi Ramos Horta, esse sempre ambicioso líder timorense para quem o cargo de Secretário-Geral da ONU é o mínimo a que se acha com direito. Manobrando os bastidores, e, posteriormente avistando-se com os militares revoltosos e traidores ao seu juramento perante o Estado veio a conseguir preencher o vácuo de Xanana e a intransigência do governo.

Nessa altura já toda a máquina da desinformação da comunicação social australiana cujo interesse no petróleo não pode ser descurado, aliados à sua velha antipatia por Mari Alkatiri, estava pronta a levar a tentativa de golpe de estado a uma fase mais avançada. E aqui entra o elemento indonésio até então silencioso: os jovens armados de catanas e armas ligeiras a repetirem as façanhas de 1999, pegando fogo a casas, roubando documentos das repartições (sabendo bem o que queriam como por exemplo as provas que implicavam o general Wiranto nas atrocidades de então) e criando o pânico em vários bairros da cidade de Díli.

A história do petróleo e a prisão de Eurico Guterres podem ter mais a ver com isto do que a mera antipatia que todos parecem agora sentir contra Mari Alkatiri.Depois, temos de juntar os interesses geoestratégicos que já estiveram no cerne da invasão de 7 Dezembro de 1975, e o petróleo. Houve 21,5% de apoiantes da integração na Indonésia e esses estão insatisfeitos com a independência, com a política de Alkatiri que (eles nunca viram como seu, já o não viam como seu em 1973...) apesar desta ser elogiada por Paul Wolfowitz (que não é nenhum santo...embora também não seja como Kissinger ou Ford em 7 Dez 75). Estes 21,5% da população revêem-se mais em Eurico Guterres e não é coincidência estes ataques surgirem logo após aquele ir para a cadeia. Há ainda militares e uma pequena franja política indonésia que apoia Guterres e não perdoa a independência e há muitos timorenses desejosos de os ajudar. Foi pena que os líderes (Alkatiri, Horta, Xanana e Roque Rodrigues) não tivessem visto isto a aproximar-se como um tsunami e pensassem que eram apenas umas ondas que a nova democracia resolveria...

Como escrevia Henrique Correia em 31 de Maio de 2006:
“Estes senhores Reinado e Salsinha foram eleitos por quem?Qual é a autoridade deles para exigirem a demissão do 1º Ministro?O País não pode ser governado na rua. Espero que os líderes timorenses não cedam a estas pretensões absurdas.Estamos a assistir à repetição da novela "CPD-RDTL"Se esses senhores não gostam do Mari Alkatiri, então formem um novo partido para concorrer às próximas eleições, daqui a um ano, ou votem num dos partidos já existentes que se opõem à Fretilin.Assim é que se faz num país democrático. Se eles preferem outro tipo de regime em que sejam eles a mandar, então vão para outro país, que há por aí muitos assim, ou mudem-se para a ilha Fatu Sinai e declarem a independência. O rei seria D. Alfredo I, o "almirante".


Quem é este comandante Reinado?
Foi capturado pelas tropas indonésias em 1975, e foi colocado como servente ou carregador no exército indonésio nas Celebes (Sulawesi) e Kalimantan antes de escapar para a Austrália. Arranjou emprego como estivador nas docas da Austrália Ocidental onde esteve durante nove anos, antes de regressar a Timor depois do histórico referendo de 1999.

As suas “proezas náuticas” foram rapidamente postas a funcionar nas novas forças de defesa de Timor (F-FDTL) tendo sido nomeado Comandante dos dois barcos de patrulha que constituem a marinha do novo país. Mas a sua carreia rapidamente esmoreceu e o Brigadeiro-General Taur Matan Ruak, transferiu-o para o quartel-general em Díli. Foi uma desfeita que ele jamais perdoou ou esqueceu. Mais tarde foi nomeado comandante dum pelotão de polícia militar com 33 homens após ter estado a ser treinado no Australian Defence Force College em Canberra em finais de 2005. Forjou também um passeio operacional num barco patrulha da Real Marinha Australiana (RAN) a pensar um dia tomar conta da Estação naval em Hera nas proximidades de Díli.

A crise começou em 28 de Abril 2006, com a manifestação de 600 militares expulsos do Exército. A manifestação foi dispersada pelo Exército, que abriu fogo e matou quatro pessoas. Logo após a acção, o comandante Alfredo Reinado, líder rebelde, fugiu para as montanhas com 25 homens armados. Dias depois, 12 policiais foram assassinados pelo Exército, o maior massacre ocorrido no Timor desde a sangrenta repressão indonésia que ocorreu após o voto a favor da independência, no plebiscito de 1999. Reinado disse que o protesto era a resposta às promoções incentivadas no Exército por Rodrigues, aliado ao primeiro-ministro Alkatiri que, segundo o líder rebelde, queria o controlo militar para aumentar seu poder político perto das eleições de 2007. Além disso, a revolta de Reinado incentivou um fenómeno até agora novo no país: o confronto violento entre os habitantes do oeste e a minoria do leste que controla o Governo e as Forças Armadas.

O major Alfredo Reinado, anteriormente comandante da Componente Naval das Falintil - Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL), abandonou a hierarquia de comando das forças armadas a 4 de Maio 2006, acompanhado de mais 15 efectivos da Polícia Militar, unidade que comandava até então.

O outro autoproclamado líder dos rebeldes é Gastão Salsinha, nascido em Ermera e que representa os interesses dos rebeldes Loromonu. Consta que terá sido detido no ano passado por contrabando de sândalo e foi-lhe cancelado o curso para capitão que estava a frequentar. Há quem adiante que Salsinha é um amigo muito chegado de Rogério Lobato, o qual parece ter estado envolvido noutro caso misterioso duma apreensão de sândalo em 2002 e a qual nunca foi totalmente explicada. O nome da família Lobato é sinónimo com a longa guerra de autodeterminação do povo. O seu irmão e líder da Resistência, Nicolau foi morto num combate com forças especiais da Indonésia em 1978. A sua mulher tinha sido executada no porto de Díli, logo após a invasão indonésia de 7 de Dezembro de 1975. Um dos cinco membros do Comité Central da Fretilin enviados para o estrangeiro em 1975 (juntamente com Mari Alkatiri, Ramos Horta e Roque Rodrigues), Lobato tinha ordens para obter apoio para a recém anunciada independência de Timor. Em 1978 esteve a ser treinado durante um curto período pelos famigerados Khmer Rouge antes de ir para Angola, onde foi preso em 1983 por abuso dos poderes diplomáticos, tráfico de diamantes e solicitar os serviços de prostitutas.
Depois, esteve envolvido num grupo de “conciliadores” promovido pela Indonésia no início da década de 1990, tendo regressado a Timor em Novembro de 2000 sem uma base de apoio popular forte. Esta situação não durou muito. Excluído do governo de transição da ONU foi atraído pela defesa dos direitos dos veteranos guerrilheiros, tendo desafiado a legitimidade da recém-criada F-FDTL. As ameaças ao governo e a sua provocação acabariam por dar frutos, quando em 2002 foi nomeado Ministro da Administração Interna. Não perdeu tempo a criar uma força nacional de Polícia capaz de rivalizar com as F-FDTL, um corpo de 30 mil homens com três ramos paramilitares.

É pena que Xanana continue a ser ouvido mais pela voz de Kirsty Sword (que não pára de exigir a demissão de Alkatiri) do que pela sua própria voz, que até agora se limitou a um ou dois apelos à calma e à deposição de armas.

Esta linha de clivagem com Xanana e Horta dum lado e Alkatiri do outro pode ter ajudado os estrategas de Camberra a vingarem-se de terem de ceder 50% do Timor Gap a Timor-Leste, fruto das boas capacidades de negociação de Mari Alkatiri. Já todos se esqueceram que a Austrália começou por oferecer 20% a Timor?

O petróleo esteve sempre por detrás disto e outorgar novos contratos à ENI italiana e concessões à Republica Popular da China (odiada em Jakarta) não aumentaram a reduzida popularidade de Mari Alkatiri face a Camberra e à vizinha Indonésia.

Já Henrique Sales da Fonseca escrevia em 29 Maio 2006:
Aqui para quem mais ninguém nos lê, temo que tenha eclodido uma "guerra" luso-portuguesa com os italianos e os australianos de permeio por causa do petróleo. Repare: a italiana ENI é sócia da portuguesa GALP em 30% e daí pode-se inferir que o Governo de Timor adjudicou o petróleo aos "amigos" dos portugueses excluindo os australianos que já se consideravam donos daquelas jazidas. Mas do lado australiano estará, creio, a Fundação Gulbenkian que tem uma empresa petrolífera de direito australiano destinada a entrar no negócio da extracção em Timor. Ou seja, pode-se admitir que a "guerra" seja entre a GALP e a Fundação Gulbenkian com os ditos intermediários dando a cara internacional e oficialmente. Será? É claro que se trata de uma mera especulação mas … nunca se sabe. Vejamos o que se segue.

Depois desta intervenção australiana com 2 mil homens, à data em que escrevo, virá a factura do "apoio" australiano que tentará colocar um governo fantoche ou mais maleável no trono em Díli. Uma espécie de protectorado de Camberra que é o novo xerife na região. Para isso, a ambição desmesurada de Ramos Horta, pode ajudar, seja para Secretário-geral da ONU seja para primeiro-ministro timorense. Que promessas terá ele recebido agora do governo de Camberra? Quem se não lembra já do anunciado apoio que (Horta) disse ter recebido de Gough Whitlam em 1975, quando este já dera luz verde a Suharto para invadir com a promessa de não-intervenção australiana?

Por outro lado ninguém esqueça que o embaixador americano se deu ao trabalho de ir ter com o Reinaldo, um desertor, um fora-da-lei para saber quais as suas reivindicações. Depois disso e logo após a sua chegada foi a vez dos comandantes militares australianos fazerem o mesmo. Esta preocupação dos norte-americanos e australianos é de louvar. Quando desertei (porque o 25 de Abril tardava a chegar a Díli) ninguém me quis ouvir, nem australianos, nem norte-americanos. Mas agora os desertores são tratados melhor que um chefe de estado…. Como os australianos já entrevistaram o Reinaldo e já sabem o que ele quer, pois foram eles que o treinaram e se ele continua a repetir que precisam de tirar o Alkatiri para haver paz na região, o mais certo é que eles irão dar uma ajuda. Isto começa a lembrar o Chile em 1973.

Aliás se formos atrás na história recente podemos recordar o que a Austrália fez nas Fiji em 1987 ao democraticamente eleito Temoci Bavadra (pronunciado bavandra): ajudou o golpista coronel (depois major-general) Sitiveni Ligamamada Rabuka (pronunciado rambuka) a depô-lo depois dum golpe de estado em 14 de Maio de 1987 a que se sucedeu outro em Outubro. Rabuka foi um mero instrumento nas mãos dos senhores feudais que se insurgiam com o domínio das ilhas pelos indianos introduzidos ali no início do século XX: crise étnica e devolver a Fiji aos Fijianos e não aos Indianos era o grito da altura. Demorou dez anos à democracia para regressar às Fiji.

Mais recentemente temos a intervenção nas ilhas Salomão que deixaram de ser independentes para terem parte dos seus ministérios geridos por Camberra. Em finais de Maio de 2006, o primeiro-ministro das Ilhas Salomão aplaudiu a retirada das tropas australianas, depois do ministro da Defesa australiano, Brendan Nelson, ter anunciado que iria retira parte das tropas ali estacionadas, depois dos confrontos do mês passado. Chegaram a estar mais de 400 tropas australianas e esse número irá baixar para pouco mais de uma centena. As tropas tinham sido enviadas após a eleição de Snyder Rini para primeiro-ministro, mas devido aos motins populares e à situação de crise acabou por ser substituído por Manessah Sogavare com o apoio das tropas australianas.

O programa “The World Today” em 30 Maio 2006 12:21:00, (Repórter Toni Hassan e Edmond Roy) entrevistava Damien Kingsbury, do International Development Studies na Universidade Deakin University, que afirmou
“Um exército de apenas 1500 homens é demasiado pequeno para ter qualquer capacidade prática de defesa. Serve uma função simbólica mas causa mais mal do que bem… ocasionalmente interfere na política, está dividido dentre as suas fileiras.
…Outro problema que é ridículo e é um erro, é a escolha da língua portuguesa que é oficial conjuntamente com o Tétum, e em resultado disso números significativos da população não fala nenhuma delas porque foram educados em Bahasa Indonesia, além de haver mais 15 idiomas locais. O Primeiro-ministro que passou décadas em Portugal durante a luta de independência fala Português – uma língua que o povo que ele governa não entende nem fala. Isto só vem aumentar as críticas da sua arrogância e do seu desprendimento. A maior parte da população fala indonésio e existe uma falta de comunicação entre o governo e o povo, em especial nos tribunais e na burocracia. Penso que isso deve ser reconsiderado.
Mais uma achega a dizer que o problema de Timor é devido à língua portuguesa quando em Timor eles falam todos Bahasa para se entenderem. Segundo estes analistas 1º a Fretilin, 2º a falta de razão para a existência dum exército e 3º a língua portuguesa são os culpados deste falhanço que não teria ocorrido se falassem todos Bahasa (indonésio aqui para nós). Ninguém se deu conta que em qualquer democracia o povo é quem escolheem quem vota e neste caso a Fretilin, goste-se ou deteste-se, teve mais votosque todos os outros juntos ... E foi a Fretilin com o apoio dos restantes partidos que decidiram sobre a língua portuguesa e o Tétum.
Eu como cidadão australiano também estou farto de dizer que os problemasda Austrália se devem a termos uma rainha longínqua, inoperante e ridícula mas nas urnas, o meu voto não chegou para tornar o meu país numa República. Acham que devo arranjar uns contestários para criar conflitos como em Timor e mandar a democracia às urtigas?

O presidente Xanana Gusmão renovou o seu apelo à reconciliação e à união nacional, num dia em que foram anunciadas oficialmente as mudanças nos Ministérios da Defesa e do Interior. "Vamos esquecer o que passou. É nossa obrigação perdoar e reconstruir nossa amada nação", disse Gusmão, num discurso no quartel da polícia em Díli. Gusmão assumiu, no início da semana, o controle do Exército e da polícia para deter o confronto entre as duas forças, que receberam a ordem de se recolher aos quartéis. A nação recebeu o anúncio oficial de que o ministro de Relações Exteriores, José Ramos Horta, vai assumir a Defesa, no lugar de Roque Rodrigues, e que o vice-ministro do Interior, Alcino Baris, foi promovido a ministro.
Rogério Lobato e Roque Rodrigues apresentaram a sua demissão (para evitarem serem destituídos?) em consequência da crise que começou em 28 de Abril, com a manifestação de 600 militares expulsos do Exército. A manifestação foi dispersada pelo Exército, que abriu fogo e matou quatro pessoas. Logo após a acção, o comandante Alfredo Reinado, líder rebelde, fugiu para as montanhas com 25 homens armados. Dias depois, 12 policiais foram assassinados pelo Exército, o maior massacre ocorrido no Timor desde a sangrenta repressão indonésia que ocorreu após o voto a favor da independência, no plebiscito de 1999. Reinado disse que o protesto era a resposta às promoções incentivadas no Exército por Roque Rodrigues, aliado ao primeiro-ministro Alkatiri que, segundo o líder rebelde, queria o controlo militar para aumentar o seu poder político perto das eleições de 2007. Além disso, a revolta de Reinado incentivou um fenómeno até agora novo no país: o confronto violento entre os habitantes do oeste e a minoria do leste que controla o Governo e as Forças Armadas.

O levantamento também evidenciou os atritos entre o presidente timorense, Xanana Gusmão, o político mais apreciado do país, e Alkatiri, muito impopular por professar a religião muçulmana - credo minoritário em Timor Leste, onde 90% da população é católica. Alkatiri declarou há dias à televisão australiana que não existe um conflito de poder entre ele e Gusmão.

Os confrontos entre ex-militares e ataques de grupos de civis armados deixaram cerca de 20 mortos na capital. Por não conseguir controlar a situação, as autoridades timorenses solicitaram ajuda militar à Austrália, Nova Zelândia, Malásia e Portugal. Mais de 2 mil militares e policiais australianos, neozelandeses e malaios já estão no país. A polícia está desaparecida há um mês, a população faz filas durante horas para receber arroz e o pânico dos ataques já produziu 60 mil refugiados e deslocados que ontem não se moveram de seus esconderijos, apesar de já estarem em vigor as medidas especiais de segurança.

Timor Leste, um dos países mais pobres, queridos e pequenos do mundo. Tem 857 mil habitantes e a mesma extensão do Alentejo. Um país muito bonito, amado por muita gente - o ex-presidente americano Bill Clinton e o secretário-geral da ONU, Kofi Annan -, mas talvez bem situado demais: desde o início dos tempos foi invadido por viajantes -chineses, portugueses -, muitas vezes foi espancado e assassinado por seus vizinhos - chineses, japoneses, indonésios, malaios.
Timor tem a maior taxa de fertilidade do mundo -7,8 filhos por mulher -, um solo árido e muito pobre que mal chega para alimentar a população, uma idade média de 20 anos, nenhuma indústria digna desse nome e um desemprego galopante e sem subsídios que o compensem

"O Estado está em transição e construção, a metade da ajuda externa é dedicada a pagar os assessores estrangeiros, ainda não há aposentadorias nem lei eleitoral, nem quadros técnicos bem formados, e (Mari) Alkatiri (o primeiro-ministro) prefere guardar as receitas do petróleo, cujo fundo de reserva já soma mais de US$ 600 milhões, a distribuí-lo demagogicamente entre as pessoas", diz um diplomata europeu que se não identifica.

"Os três são amigos desde a adolescência, por isso não se levam muito a sério", diz uma fonte próxima a Gusmão. "Alkatiri e Gusmão respeitam-se e temem-se igualmente, mas acabam sempre se entendendo", diz um assessor do presidente.A dupla Alkatiri – Horta é que cedeu. A Igreja, a Austrália, os EUA, o petróleo e a ambição de poder surgem como as questões chaves de uma rixa que começou discreta e começa a se agravar diante da legítima recusa de Alkatiri a demitir-se dado ter sido democraticamente eleito pela maioria da população.

Mas Ramos-Horta quer mais que o Ministério da Defesa. Sabe que tem todo o apoio e a influência internacional de uma Igreja Católica que presume contar com 98% de católicos no país e que não hesitou em catalogar o primeiro-ministro como muçulmano e comunista. Os padres criticaram ferozmente a aposta em separar a Igreja do Estado - há religião opcional nas escolas - e criticam suas políticas sociais como próprias "do Terceiro Mundo mais retrógrado". Alkatiri mandou estudantes com bolsa a Cuba e em troca contratou 500 médicos cubanos para os hospitais públicos.
Segundo indica uma fonte da cooperação europeia, trata-se de uma luta sem quartel: "O partido de Alkatiri, a Fretilin, é a única organização, com a Igreja, que está implantada em todo o território. Para os padres locais, é um partido de Marx contra Deus". Há exactamente um ano, em Abril de 2005, os bispos de Díli e Baucau, com a colaboração do embaixador americano, John Rees, homem de confiança de Bush e que ajudou a distribuir comida entre os manifestantes, lançaram o primeiro desafio de rua ao governo "infiel" de Alkatiri.
"Ofereceram transporte em autocarros e sanduíches e organizaram um acampamento no centro de Díli. Foi muita gente que gritava: 'Viva Cristo, morte a Alkatiri'", lembra um funcionário da ONU.

A indústria de café do Timor Leste sofreu um sério golpe com o aumento da violência, que paralisou as operações em meio à temporada da colheita. "A colheita (da nova safra) começou em Maio, e seu pico deve ser atingido neste mês. Mas, com todas as estradas fechadas, não há meio de transportar os grãos do interior para as fábricas processadoras", disse o director de café e de outras safras do Ministério da Agricultura, Caetano Cristóvão. Os participantes do mercado estimam que a produção atingirá entre 15 e 18 mil toneladas, em comparação com a safra de 2005, apontada entre 10 e 11 mil toneladas. Apenas os pequenos fazendeiros estão colhendo e processando os grãos em máquinas pequenas ou secando-os ao sol, disse Cristóvão. Em termos globais, O Timor Leste, com uma produção média anual de 7.000 a 10.000 toneladas, é um produtor pequeno entre gigantes, como Brasil e Vietname, contribuindo com cerca de 1% da produção global. No entanto, o café não é pouca coisa para a economia desta república de apenas quatro anos de idade, sendo a sua principal fonte de divisas estrangeiras. Um quarto da população (de 947 mil habitantes, em 2005) depende do café para subsistir (Dados: Dow Jones).

Veremos o que vem a seguir, mas enquanto se não dedicarem esforços à formação duma tropa, duma força policial eficaz e sem se cindir sob os fortes laços centenários da etnicidade tribal, enquanto se não ocupar a população jovem e desiludida em formas de trabalho remunerado que lhes augure qualquer futuro (até agora nem presente nem futuro lhes era prometido), enquanto não se explicar à população porque é importante que falem Português em vez de Bahasa ou de Inglês, enquanto isso não for feito, não há doações internacionais que cheguem nem fundos do petróleo que aguentem a instabilidade. Há genes tradicionais e centenários que têm de ser estudados conjuntamente com a influência que a ocupação indonésia e a sua lavagem ao cérebro causaram.

Há que ter em conta o recente exemplo das ilhas Salomão a fim de evitar que Camberra passe a gerir os ministérios mais problemáticos de Timor e a decidir o que é melhor para este jovem país. Há que deixar os Timorenses governarem-se e a criarem condições para o fazerem. Uma boa medida seria darem-lhes de volta os recursos marítimos roubados por pactos leoninos firmados pelo governo de Camberra, isso permitiria sem que o país contraísse empréstimos ou ficasse dependente de outros, dividir a riqueza por todos os timorenses, e criar empregos para os milhares de jovens sem futuro.

Há que criar uma unidade nacional que nunca existiu e não tem tradições (antes pelo contrário existe uma herança de guerras intertribais) para que Timor seja para todos os Timorenses e não para alguns, todos os que lutaram fora pela autonomia, os que lutaram dentro contra a ocupação indonésia e os que se acomodaram à ocupação indonésia. Só quando se criarem condições para este entendimento nacional e global terá valido a pena lutar durante mais de duas décadas e meia. A comunidade internacional pode ajudar a facilitar o desenvolvimento destas noções, mas sem os interesses demasiado óbvios dos lóbis do petróleo e sem a desculpa esfarrapada de que a língua portuguesa é que é a culpada. Se a CPLP existisse para lá do papel seria uma óptima oportunidade das ex-colónias de Portugal (incluindo o Brasil) mostrarem o que é a solidariedade, mas isso é pedir demais.

Se a ONU tivesse mais força poderia ajudar a construir o que nunca construiu mais interessada em criar negócios milionários para os seus conselheiros do que em construir um país novo pela raiz.

Sobretudo ajudem os timorenses a criar a sua nação e aprender o que é viver em democracia.
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[1] Terra do meio ou mundo
[2] Originalmente publicado na revista Macau, #15 de Fevereiro 1989.
[3] Lembro-me de em 1989 em Camberra a conhecida jornalista e apresentadora de rádio e TV, Pru Goward perguntar a Ramos Horta sobre a religião muçulmana em Timor e ele responder que em 1974 havia cerca de 500 muçulmanos, pelo que ela insistiu aludindo ao budismo… inexistente no território salvo excepções não quantificadas.
[4] Originalmente publicado na revista Macau, #19 de Fevereiro 1990.
[5] Tecido tipo ‘sari indiano’ enrolado à cintura
[6] IIª Grande Guerra
[7] Actual Djakarta
[8] 1944, data da publicação deste livro
[9] Pai de Ramos Horta que membro dum grupo progressista se apoderou de uma canhoneira portuguesa para com ela tomar parte na guerra civil em Espanha contra Franco.
[10] Contemporânea Editora, 1999
[11] Designação dada à mulher timorense.
[12] Filipe Themudo Barata, ex governador 1959-1963, em ‘Timor Contemporâneo’, ed. Equilíbrio Editorial, Lisboa 1998, apresenta a versão oficial da rebelião, que difere desta, e que ocorreu enquanto ele estava em trânsito para tomar posse como Governador.
[13] ‘Timor Contemporâneo’, ed. Equilíbrio Editorial, Lisboa 1998
[14] No caminho de Baucau - Viqueque
[15] Recinto de protecção a antigas instalações militares em Timor onde depois se instalaram os postos administrativos
[16] Filipe Themudo Barata, governador 1959-1963

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